Mas ele foi crescendo e as pernas ganhando mais tamanho e os passos
ficando mais firmes e com isso sua tranquilidade chegava. Ele era agora um
jovem adulto que já não tinha mais a vergonha de ser meio desengonçado e atrapalhado.
Sua insegurança foi guardada no fundo do baú de brinquedos e ele ficou torcendo
para que sua mãe a levasse embora junto com os brinquedos recolhidos todo ano
na época do natal.
O rapaz perdeu o peso que ganhara nos anos de desengonçado. Começou a
descruzar os braços na praia, tirou o aparelho dos dentes e logo se sentia
confiante nele mesmo. Pronto para encarar o que viesse, do jeito que viesse.
Começava então sua época de namoros. E ele logo descobriu a força que
tem no beijo da mulher desejada. Cada beijo era único, intenso e vinha
acompanhado de abraços e carinhos infinitos que fazia seu coração, esse ainda
desengonçado, bater fora de compasso. Era tudo tão intenso que ele logo se
dedicou a arte de amar. Namorou muito, sempre em busca do frio na barriga e do
beijo mais doce e intenso que ele pudesse dar e receber.
Os anos se passaram. A busca continuou, mas já não era a mesma coisa. Quando
jovem os beijos dados com amor e paixão eram devolvidos da mesma forma. Mais velho,
o que ele recebia de volta eram beijos mais maduros, mais balanceados, mais
cheios de questões... e muito mais chatos. Mesmo assim ele continuou buscando e
chegou mesmo a se casar com a mulher que lhe deu além de beijos a filha amada,
mais importante e intensa e desejada do que qualquer beijo de qualquer pessoa.
Os anos tornaram a passar e ele envelheceu mais um pouco. A filha
ganhou personalidade, os beijos com a mulher rarearam e logo ele se viu
solteiro de novo. E seguiu na sua busca já sem acreditar que poderia de novo
sentir o que sentia nos primeiros beijos.
Os anos nem precisaram passar novamente e ele encontrou uma mulher por
quem o coração batia forte, as mãos tremiam, a boca não se fechava
transbordando sorrisos de felicidade, a cabeça não pensava de tanto encanto e
os beijos... bom os beijos eram lindos como pôr-do-sol, gostosos como sorvete
no verão, molhados como cachoeira no mato, desejados como parque de diversões. Eram
ainda maiores e melhores do que qualquer outro beijo de qualquer outro tempo.
E perdido no encontro desses beijos, ele não cuidou de olhar o mundo
caindo por todos os lados. Acreditou que o beijo os protegeria. Não cuidou de
medir palavras, achou melhor buscar apenas os beijos. Não se deu conta que
havia mais coisas acontecendo... para ele só havia o beijo e o seu incrível poder
de fazer amor como quem faz bolinhas de sabão. E a vida os separou, sem que
houvesse uma grande cena final, sem o drama dos filmes épicos, sem música
triste ao fundo... ela apenas os separou.
E então ele voltou a cruzar os braços na praia, a tropeçar nas próprias
pernas e a sentir-se um desengonçado do amor.
Mas o tempo e os anos sempre passam... e, aos poucos, ele descobriu que
tinha que começar tudo de novo, primeiro aprendendo a lidar com o tamanho das
próprias pernas, depois aprendendo a pisar com mais firmeza, então encontrando
em si mesmo as razões para se gostar mais e depois seguindo em frente, torcendo
para que a mesma vida que lhe tirou o amor maior faça a gentileza de
devolvê-lo.
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