terça-feira, 31 de julho de 2012

Menina dos Sonhos


Um caso de polícia. Roubaram as minhas fantasias. Acordei de manhã e procurei em todos os lugares. Onde será que eu guardei? Foi o que pensei primeiro. Depois, lembrei-me que elas estavam ali ontem à noite. Conversei com elas antes de dormir. Disse-lhes que estava frio e que era importante que se cobrissem para não ficarem doentes. Beijei-lhes e dormi.

Hoje acordei cedo como sempre. Olhei para o lado e elas não estavam mais lá. Chamei-lhes pelo nome, mas não me atenderam. Levantei-me para fazer o café – sempre penso melhor depois do café. Andei pela casa e lá elas não estavam. Sentei-me na cama e me preocupei: por onde andaram minhas fantasias?

Será que se transformaram em gatos no meio da noite e, furtivamente, ganharam as ruas e as matas que cercam minha casa? Será que foram ver se a lua estava mesmo cheia e se ela formava os desenhos que gostavam de ver nas noites apaixonadas? Será que desistiram de viver como fantasias na minha vida de poeta? Talvez... Talvez elas tenham se transformado em realidade, pensei. Talvez sejam como lagartas que dormem em casulos e acordam de manhã ganhando asas e se transformando em borboletas. Olhei para cima, mas borboletas não havia ali.

Preocupado busquei o jornal. Quem sabe haveria uma notícia sobre elas. Não havia. Tomei a segunda caneca de café e fumei um cigarro para que tentasse ver na fumaça o vulto delas, mas não vi. Abri meu livro de cabeceira para ver se era lá que se escondiam, mas não era. Voltei a deitar. Precisa pensar no que seria de mim sem minhas fantasias. Meu poeta morreria de angústia e de tristeza. Logo ele, meu companheiro de tantos anos. Tomei mais um gole de café. Acendi outro cigarro. E chorei.

Minhas lágrimas caíram uma a uma pelo rosto do menino triste em que em transformara. Chorei de saudades das fantasias que tanta companhia me fizeram e que tantas histórias doces me contaram. Chorei a ausência física. Chorei o choro de uma criança magoada que dói de ver, que entristece até o mais duro dos corações. Chorei e dormi.

...   ...   ...

- Mas que demora! Por onde você andava? – foi a primeira coisa que ouvi.

Nem consegui responder ou mesmo entender quem me perguntava. Logo uma segunda voz me dizia: - Você está atrasadíssimo! E uma terceira completou: - Agora preste muita atenção em tudo, se não você não vai entender nada.

E eu que já não entendia nada mesmo reconheci naquelas vozes a minha própria voz e logo descobri que eram as minhas fantasias que estavam me dando aquela bronca. Calei-me e observei.

Na minha frente qual fosse mágica uma enorme tela de cinema se abriu. Dentro, campos verdes e floridos em um lindo dia de sol se mostravam exuberantes. Havia vozes ao fundo. Havia pássaros. E havia também um doce cheiro de jasmim espalhado no ar.

As vozes se aproximaram e pude me reconhecer. A meu lado uma menina linda andava insegura. A menina dos sonhos tinha medo, eu podia sentir. Não conseguia ver seu rosto, mas sentia seu calor e sua vida. Ela seguia quieta e amedrontada e eu apenas caminhava a seu lado, de sorriso aberto, puxando forte o ar tomado de jasmim e olhando cada uma e todas as flores do caminho.

Paramos no alto de um pequeno morro coberto e cercado de verde com pitadas de cores por todos os lados. Sentamos no chão com as pernas cruzadas, um de frente para o outro. Em silêncio. Ficamos assim por um tempo, mas não consegui me controlar e logo tomei suas mãos com as minhas e perguntei:

- Do que você tem medo?
- De sofrer. Tenho medo de sofrer de amor.
- Sofrer de amor? Isso não existe!
- Claro que existe. Tantas vezes eu achei que tinha encontrado meu amor verdadeiro e tantas vezes eu sofri por descobrir que estava errada.
- É como eu disse. Você não sofreu de amor. Sofreu por não ser amor.

E logo percebi que entraria em mais um jogo de palavras e de sedução que me levaria ao mesmo lugar em que já estive tantas vezes e calei. Ela me olhou e me pediu que explicasse. Disse que não. Eu não ficaria ali, no meio do meu sonho, explicando a ela o que ela já sabia. Disse-lhe que o momento era único e seria perdido se não o vivêssemos, mas que eu não poderia lhe impor isso. A escolha dela teria que ser só dela.

Seu rosto mudou. Suas feições ganharam, no meio do meu silêncio, outra vida. Eu podia ver que ela estava pensando. Podia entender que a transformação estava acontecendo. E só me restava torcer.

- Você sente o cheiro no ar?
- Jasmim, minha flor preferida!
- Você percebe o canto dos passarinhos?
- Sim. É como música.
- Você vê a beleza indecente das flores?
- Que de tão simples ofuscam qualquer outra. – completei.

E olhando um para o outro, vimos nossos sorrisos crescerem fortes. Nossas mãos já entrelaçadas faziam força para que nunca mais se separassem. Nossos corpos quentes se juntavam em movimentos sutis de quem quer apenas estar perto, sempre perto.

E, vendo tudo isso, torci por um beijo na imensa tela. Suspirei porque os suspiros enchem a alma de emoções e esperei pela cena final. De longe ouvi uma voz dizendo meu nome, repetindo meu nome, repetindo meu nome... e acordei, antes do beijo, para que eu pudesse continuar sempre sonhando e para não esquecer nunca mais onde moram minhas fantasias.

Desejos

(É o que desejo pra quase todo mundo que passou na minha vida...)


Desejo pra você o melhor que a vida puder lhe dar. Desejo amores. Desejo amigos. Desejo sorrisos e desejo mais. Desejo que você conheça todos os desejos e que experimente apenas os que valem a pena experimentar. Desejo que sua vida seja boa e mansa, mas também que seja divertida e agitada – cada coisa no seu tempo.

Mas para desejar isso preciso dizer que o melhor que a vida puder lhe dar depende de você. Porque, como repetia incansavelmente a minha avó: o mínimo que você pode fazer é o máximo que você conseguir. Então faça o máximo, dê de você mesma tudo o que você conseguir dar. Não deixa para amanhã o que vale a pena fazer agora e deixe pra lá o que não vale.

Os amores que desejo a você são apenas os bonitos. Amores que podem ou não dar certo, mas que vão fazer você voar alto, vão fazer você querer comer pipoca no cinema, vão te levar pra longe em viagens inesquecíveis, vão tomar seus sonhos de assalto e vão grudar sorrisos no seu rosto todos os dias.

Os amigos que desejo pra você são amigos mesmo. Daquele tipo que você pode ligar as três da madrugada e pedir ajuda e ter certeza de que ele vai estar lá para você. Não desejo amigos que lhe julguem, desejo os que aconselham e que mesmo dizendo que você está errada acabem as frases dizendo sempre: decida o que quiser, vou estar do seu lado. Desejo amigos que lhe façam surpresas. Desejo amigos que lhe façam companhia. Desejo amigos que ajudem sem perguntar e que perguntem sempre se você precisa de ajuda.

Desejo sorrisos no seu rosto. Porque ele se ilumina com os sorrisos. Mesmo quando você estiver sozinha, não se esqueça de sorrir. Se faltarem motivos, me ligue. Vou contar uma história engraçada, sem pé nem cabeça, apenas para ouvir você sorrindo. E seja generosa com esses sorrisos. Não os guarde para você. Distribua pelas ruas, nos elevadores, onde estiver.

Desejo que você conheça todos os desejos que valerem a pena. E que se descubra neles sem medo de ser feliz. Que você esqueça os preconceitos, que passe por cima dos medos e inseguranças e que consiga viver de verdade, todos os dias da sua vida. Desejo que você acorde todas as manhã pensando no desejo de cada dia. E desejo que você entenda que eles são o combustível da própria vida.

E que a sua vida seja boa, sempre. Que você já tenha aprendido o valor das coisas para não precisar perder mais para aprender. E que ela seja mansa, no sentido em que ela possa ser vivida sem drama, sem exageros, sem perder o controle. Que sua vida seja sempre muito divertida com amigos, descobertas, viagens, família, crenças e desafios vencidos com alegria. E que ela seja agitada no ponto certa pra você entender que só se vive uma vez.

Seja sempre feliz!

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Nem uma vela em dia de Finados


Tirei do ar o blog que escrevi durante um ano e meio para uma pessoa que me era muito especial. Eu já não escrevia nele desde fevereiro deste ano quando postei uma espécie de despedida e me disse pronto para viver meu luto. O estranho é que esse blog continuava a receber visitas. Possivelmente de gente curiosa em ver o fracasso de uma relação intensa.

O fato é que comecei a pensar nas razões que me faziam manter o blog por lá e não encontrei muitas. A pessoa pra quem eu tanto escrevi e pra quem tanto me dediquei jamais respondeu nenhum dos posts por mais carinhosos que fossem. Também não respondeu os agressivos. Nunca respondeu nada. Preferiu sair de cena no meio do espetáculo sem esperar o final e transformou um diálogo num monólogo e lá fiquei eu em cena aberta fazendo papel de idiota. E fiz esse papel por muito tempo, tempo demais.

O gatilho pra tirar o blog do ar foi a ausência no meu aniversário. Nem um SMS, uma mensagem por Facebook, um recado, um sinal de fumaça. Nada. Esse vazio me permite imaginar o que eu quiser. A escolha é só minha. E cheguei à conclusão de que realmente a pessoa, por quem me apaixonei e que tanto amei, nunca deu a menor importância para o que eu senti. Só se preocupou com o que ela mesmo sentiu e com as ameaças que eu representava na lógica (?) de vida que ela escolheu.

Me senti várias vezes como se eu estivesse sendo assaltado. Tipo assalto à mão armada. Aquele que gera uma insuportável sensação de impotência. Fui roubado nos meus sentimentos e tive que ficar com os braços para o alto, sem falar nada. Imagina a cena: “Passa seu amor ou leva tiro! Manda seus sentimentos pra cá e não adianta esconder o tesão não...passa tudo!”.

De vez em quando me lembro com carinho dos bons momentos e das marcas que ela deixou em mim. Eu tinha acabado de sair de um casamento longo e muito bem sucedido. Tinha acabado de perder meu pai. Tinha acabado de fechar minha empresa. Tinha quebrado. Estava completamente fragilizado e decidido a não ter pena de mim mesmo. Acordava todos os dias pensando que aquele dia seria melhor. Que alguma coisa de muito boa ia acontecer. Tomava café, lia o jornal, tomava banho e me arrumava a espera de conseguir uma entrevista ou um encontro que me gerasse bons frutos. Segui todos os dias acreditando que tudo poderia melhorar até que um dia melhorou mesmo.

Foi no meio dessa bagunça que ela apareceu. E a vida dela não estava muito melhor do que a minha. Ela tinha todas as dúvidas do mundo sobre o seu próprio futuro. Tinha questões pessoais e profissionais a resolver e a vida dela também não estava fácil. Tentei, ou pelo menos acho que tentei, dar de volta o mesmo apoio que ela me deu. Nossas brigas eram virtuais porque juntos normalmente estávamos bem. Mas nessa época morávamos longe e era mais fácil estarmos distantes do que perto um do outro e as brigas se multiplicavam.

Criei uma fantasia nessa mulher. Imaginei que ela fosse assim ou assado. Vi nela coisas que nunca tinha visto antes e que queria ver sempre. Imaginei que ela fosse a pessoa certa. Demorei a me entregar, mas quando me entreguei foi pra valer, “de com vontade”. E nada disso adiantou de nada. A não ser pra me fazer ver que eu estava apaixonado por um ideal de vida e não por uma mulher de verdade.

Tentei de todas as formas estar junto. Respeitei quando ela quis ficar sozinha. Estive presente quando achei que devia. Escrevi sobre o que havia de mais bonito e de mais triste. Sorri e chorei sem vergonha de sorrir ou de chorar. Não tive pena de mim. Tive pena de ver um sentimento tão bonito sendo jogado fora da forma que foi.

Procurei em outras pessoas o que senti por ela. Não achei. Procurei a cumplicidade das palavras e dos gestos. Procurei o que ela me fazia sentir. Procurei o carinho. Procurei as tolices. Não achei.

Achei pessoas muito melhores do que ela. Pessoas grandes, cheias de razões para se orgulharem de quem são. Achei pessoas lindas, muito mais bonitas do que ela. Achei pessoas fortes, muito mais guerreiras do que ela. Achei pessoas corajosas, muito mais do que ela... mas isso é fácil. O que não achei foi a mim mesmo nestas pessoas. E por isso todas as minhas relações fracassaram de um jeito ou de outro.

Talvez o fracasso esteja na essência da própria busca. Talvez, enquanto estiver procurando a mim nos outros não ache nunca nada. Talvez...

O fato é que preciso viver intensamente uma relação de verdade com objetivos grandes. Essa coisa de beijar por beijar, transar por transar, sair por sair. Isso tudo não me interessa nem um pouco. Mas acabo saindo, acabo beijando, acabo transando. E acho que faço isso para me sentir vivo enquanto não encontro a pessoa que eu acredite ser a pessoa certa de verdade. É muita incompetência!

Venho a esse blog botar pra fora meus sentimentos. Falo da menina sorriso, da menina de covinhas, da menina de longe e de outras meninas que povoam o meu imaginário e a minha vida. Mas com nenhuma delas eu consegui viver de verdade o grande amor. Talvez ainda viva. Talvez encontre em quem eu já conheço o que fico procurando em quem eu não conheço. Mas ainda não aconteceu de verdade. Por essa ou por aquela razão, sigo sozinho e me sentindo sozinho.

Não corro o risco de desistir disso. A busca pelo amor é o que me move e o que me mantém vivo. Vou continuar buscando. Vou continuar tentando. Vou continuar me permitindo errar e vou continuar cuidando para não machucar ninguém.

Mas a mulher para quem eu dava bom dia todos os dias. A quem eu perguntava sempre se já havia dito que ela é linda. A mulher para quem eu escrevi por mais de um ano e meio e que não me deu sequer parabéns no meu aniversário. Essa morreu e não merece nem uma vela em dia de Finados.

E segue o baile.


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Obrigado


Gosto de gente. Gente me faz bem, seja que tipo de gente for. Por isso resolvi reunir o maior número de pessoas que eu conseguisse no meu aniversário, dia 25. Pensei e logo coloquei em prática uma “campanha” para reunir as pessoas na Academia da Cachaça do Leblon, um lugar que eu adoro e que me traz as melhores recordações, de todas as épocas da minha vida.

A primeira vez que fui a Academia ainda não tinha nem vinte anos de idade. O lugar era novo e ainda pequeno. O nome despertava a curiosidade. Fui como um calouro entrando na faculdade pela primeira vez. As pessoas já estavam por lá, mas duas coisas me chamaram a atenção. A primeira era o teto, feito com fitas verdes e amarelas que juntas formavam a bandeira do Brasil. Achei lindo. A segunda era a imensa coleção de cachaças expostas nas vitrines e prateleiras da Academia. Era muita coisa. Era muito para aprender naquele templo erguido para celebrar a amizade. De lá pra cá, esse lugar sempre fez parte da minha vida e a escolha acabou sendo natural.

Convidei todos os meus “amigos” de Facebook e olha que são mais de duas mil e trezentas pessoas. Lancei a ideia um mês antes do dia e relembrei todas as semanas, tentando deixar claro que ter meus amigos por perto seria para mim o melhor presente de todos. Para algumas pessoas eu ainda reforcei o convite com um lembrete especial enviado individualmente. Não queria correr o risco de ficar sem elas por perto.

Marquei cedo. Não reservei uma mesa, mas uma área da Academia. Cheguei antes da hora e para a minha surpresa já havia gente por lá. Uma gente querida que havia transformado a Academia em uma casa de festas com direito a luzes, enfeites, chapéus e corações espalhados pelo lugar. Minhas amigas Marcia Carrilho e Evangelina Cruz se superaram na arte de proporcionar momentos inesquecíveis e eu nem saberia como agradecer tanto carinho.

Aos poucos o lugar foi se enchendo de pessoas adoradas e adoráveis. Mais de duzentas. Reuni diversos grupos que, juntos, são os únicos responsáveis por eu ser quem eu sou. E ganhei abraços, beijos e carinhos deliciosos. E juntos brindamos, rimos, conversamos, lembramos e esquecemos. Que coisa boa é estar cercado dessa boa onda. Citar nomes é perigoso porque posso e vou esquecer alguém e isso não seria nada bom, mas o lugar estava cheio de Anas, Andreias, Alessandras, Thaizes, Isabels, Brunos, Luizes, Luizas, Rodrigos, Patricias, Marcias, Marias, Rosanes, Tonys, Christianas, Cristianas, Marcios, Michels, Zecas, Monicas, Denises, Guetas, Paulas, Marinas, Nancys, Manuelas, Paulos, Robertos, Fernandas, Dilsons, Jacksons, Bernardos, Felipes, Priscilas, Georgias, Dudas, Kikos, Virginias, Thomas, Martas, Stellas, Vanuzas, Claudios e muitos outros nomes importantes na minha vida.

No meio delas, algumas pessoas me enchem de felicidade. Primeiro minha ex e querida mulher, Ursula. Que privilégio ter nessa companheira uma amiga capaz de participar do meu aniversário, se divertir e me abraçar com o mesmo carinho que nos uniu. Depois, Socorro uma irmã tão irmã que nossas briguinhas birrentas parecem sempre brigas de irmão que disputam quem vai sentar na frente do carro dos pais e coisas assim. E por último a mais importante das pessoas da minha vida: minha filha Sophia que me enche de orgulho, carinho e amor e me lembra todos os dias que o amor incondicional é possível e é o melhor que pode haver.

Claro que tenho vontade de falar de cada uma das outras pessoas que estiveram lá... Marcia, por exemplo, que não mediu esforços para estampar um sorriso no meu rosto. Vanja, tia herdada do meu casamento, não pode ser mais querida e dedicada. Monica, cheia de um carinho único e especial. Rosane, mulher de fibra e caráter únicos que admiro incansavelmente. Mas o risco de deixar alguém triste por não ter sido falado ou lembrado é imenso e desnecessário.

Sim, senti falta de algumas pessoas fundamentais na minha vida também. Falta do meu irmão de sangue, falta dos meus irmãos de vida, falta de algumas das maiores e melhores amigas que já tive, falta de amores do passado que preferiram não ir, falta imensa da Menina de Longe e falta do meu pai e da minha mãe, que estão sempre comigo. Mas cada um a seu jeito esteve e está sempre comigo. Gente que me importa e que se importa comigo.

No dia seguinte as lembranças boas me acompanharam. Me senti rico. É muita gente e muita sorte de ter tantos amigos tão queridos. Por isso hoje escrevo apenas para dizer obrigado. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

Nascimentos...


Primeiro Nascimento

Era uma noite fria em São Paulo. O inverno castigou naquele ano e todos viviam agasalhados pelas ruas. São Paulo fica mais cinza no inverno, mas as pessoas ficam mais bonitas. Era bom de ver o contraste da gente paulistana com os prédios de concreto armado.

Ela estava cansada. Os nove meses já haviam passado e a barriga tornara-se um fardo. Não um fardo ruim, mas um fardo de quem guarda dentro de si uma vida, de quem já não aguenta mais a curiosidade para ver o rosto, sentir o cheiro e ver a família completa.

Em casa, o menino de um ano um mês e cinco dias passara o dia mais calmo do que o normal. Naquela tarde a rotina dele mudaria para sempre, mas ele não sabia. A velha babá foi escalada para cuidar do pequeno primogênito. A bolsa rompera e a hora tinha finalmente chegado. Foi o tempo de avisar seus pais e seu marido que estava chegando do trabalho. Ele disse que estava tudo certo, só queria pegar um livro para lhe fazer companhia na maternidade e pronto. As malas também estavam prontas.

No caminho, rumo à maternidade São Paulo, entre uma contração e outra, eles comentaram: - Será menina? Será menino? E ele respondeu: - Acho que será uma menina: Renata! E ela duvidou: - Será um menino e terá o nome do meu padrinho; Eduardo! Ele achou melhor não teimar e continuou subindo as ruas de Cerqueira César rumo à Av. Paulista que precisava ser cruzada para chegar à Maternidade.

O médico já havia sido avisado e estavam todos prontos para os procedimentos necessários. As perguntas de praxe foram feitas. As roupas trocadas pelos (sempre ridículos) aventais de hospital e ela levada, de maca, para a sala de parto. Não sem antes perguntar ao marido: - Você não vai entrar? E ouvir o que já esperava ouvir: - Deus me livre. Você sabe que não aguentaria assistir. Um beijo carinhoso e ela foi, sozinha, enfrentar seu segundo parto.

Já era tarde, quando as contrações ganharam força e o médico avisou que não demoraria muito mais. Às duas da manhã daquele vinte e cinco de julho tudo ganhou mais força e o médico confirmou: - Agora vai! Já estou vendo a cabeça... vamos... força... respira... vai... força... descansa um pouco... acho que na próxima vai... vamos lá?... força.... isso.... tá nascendo...tá nascendo... pronto.... nasceu... você é mãe de mais um menino e ele é perfeito!

Mas ela só sossegou quando ouviu o choro. Logo, a criança foi avaliada, limpa e enrolada em um cobertor, para só então ser colocada no colo da mãe, ainda exausta. Ela apenas olhou e disse: - Seja bem-vindo meu filho. Seja bem-vindo Eduardo.

O pai foi avisado pela enfermeira que o seu segundo filho tinha nascido. Riu por dentro sabendo que o nome Renata, com muita sorte, talvez fosse dado a alguma neta no futuro e que ele seria na vida o pai de dois meninos.

Quase que ao mesmo tempo chegaram à recepção da maternidade o pai e a mãe dela. Ele os cumprimentou e foi logo dando a boa notícia: - Nasceu o Eduardo! Os avós queriam ver a filha e o neto. Naquele tempo ia cada um para um lado e a mãe ainda demoraria um pouco na sala de parto. Por isso seguiram até o berçário e chegaram a tempo de ver a enfermeira colocando as primeiras roupinhas no recém-nascido. A criança não parava quieta e o avô logo disse: - Ele não para, mexe em tudo...parece um bole-bole! E a avó respondeu: - Ele é lindo, um pequerrucho! E esses apelidos dos avós o acompanhariam por toda a vida.

Os pais dele também logo chegaram. Ela disse ao filho que tinha orgulho dele e agradeceu mais esse presente para a família. Ele disse ao filho que desejava sucesso, sorte e que o neto fosse um vencedor na vida.

.......

Segundo Nascimento

Foi numa noite em que ele não tinha sono. Leu algumas poesias em um livro roubado da estante do pai. Ouviu algumas músicas que transformavam versos em melodia. E resolveu pegar papel e caneta para tentar rabiscar seus primeiros versos.

Evocou a inspiração como quem pede que o Anjo da Guarda fique ao lado na hora de dormir. Começou inúmeras vezes. Fez de algumas frases soltas bolinhas de papel que atirou com perfeição no cesto de lixo. E seguiu tentando sem sucesso madrugada adentro.

Olhou pela janela o movimento da rua. Do outro lado havia uma boate famosa naqueles tempos e volta e meia ele via sair um casal rindo, uma moça triste, um rapaz bêbado, três pessoas excitadas e todo tipo de gente que fosse possível imaginar. Logo, ele se deixou levar pelo clima boêmio daquela janela. Começou a imaginar o tanto que ainda havia por vir. E nos tantos momentos como aquele em que ele seria visto por algum menino pendurado em alguma janela de alguma cidade. Imaginava e sorria.

E mesmo perdido na sua imaginação não deixou de perceber o momento em que um casal saiu apaixonado da boate. Eram muitos beijos, eram muitos abraços, era muito carinho. Logo ele se deu conta de que aqueles dois eram diferentes e dedicou atenção exclusiva ao que ele entendeu pela primeira vez como sendo uma bela cena de amor. Ele berrou: - Eu te amo! E ela berrou mais forte ainda: - Eu te amo! E ele desejou berrar e ouvir um berro como aquele pelo menos uma vez na sua vida.

Voltou para a escrivaninha de menino e recomeçou a escrever. Antes, porém, lembrou-se da Menina do Recreio por quem ele tinha o maior amor que poderia caber no coração de um menino tão novo. Pensou e se deixou levar pela deliciosa fantasia. Logo ele estava de olhos fechados berrando no recreio do colégio: - Eu te amo! E ouvindo dela um berro ainda mais alto: - Eu te amo!

E nessa hora seu coração encheu-se de uma maneira que ele não conhecia. Aquele amor deu-lhe um novo ritmo. O sorriso parecia eternizado no seu rosto e a mão buscou a caneta para descer em versos fáceis, de menino, rimas que se entrelaçavam e funcionavam como um fio terra para aquela energia mágica. E escreveu um, dois, três, incontáveis poemas de amor naquela noite que não teve fim.

Leu, pela manhã, as linhas mal traçadas e tornou a sorrir. Descobriu naquele momento que o Menino Poeta havia nascido.

...............

Terceiro Nascimento

Quem disse que ele conseguia dormir naquele 15 de abril. A cesariana estava marcada para a manhã seguinte e a cabeça dava voltas e mais voltas. Ela também não dormiu. De tempos em tempos um chamava o nome do outro baixinho só para saber se o outro tinha conseguido dormir, mas nenhum dos dois conseguiu.

Antes das cinco ele desistiu de ficar na cama e levantou-se para fazer e tomar um café forte e puro. A cabeça estava na ansiedade daquele dia. Ela não podia comer nem beber nada e ele tomou o café longe para não enchê-la de vontade. Quando voltou ao quarto, ela já estava saindo do banho. Ele entrou e tomou um banho diferente. Aproveitava a água caindo e rezava para que tudo corresse bem no parto. Naquele tempo ele soube que existia uma certa Nossa Senhora do Bom Parto e foi com ela que ele se agarrou. Estranho depois de repetir tantos anos o “agora e na hora de nossa morte” estar ali pedindo apenas pela hora do nascimento.

Depois do banho, a excitação era tão grande que ele não demorou a se vestir e logo os dois saíram de casa rumo a maternidade. Malas prontas, enxoval feito, lembranças compradas. Tudo certo, menos o fato de que estavam duas horas adiantados. Mas que diferença fazia? Nenhuma.

Na maternidade o momento da burocracia. Ele nunca havia visto tanto papel e tanta autorização. E, pior, ele tinha que assinar tudo sob o risco de suspenderem a cesariana. Com aquilo, ele assumia a responsabilidade de qualquer barbeiragem dos médicos ou do hospital. Mas isso também não fazia diferença. Ele sabia que nada daria errado.

Foram para uma sala de espera reservada aos futuros pais e mães. Lá, percebendo a angústia dela, ele começou a fazer suas palhaçadas. Roubava uma máscara cirúrgica daqui, uma luva dali e logo tinha um balão nas mãos ou estava brincando de bandido e mocinho mascarado. Ele ria do jeito infantil e ele disfarçava a sua própria angústia no esforço de acalmá-la.

Hora de trocarem de roupa e de esperar na antessala. Ela na maca que a levaria até o centro cirúrgico e ele, sempre ao lado, agradecendo a todo instante pelo momento que antecipava.

Ela entrou antes para receber a anestesia. Os médicos não o deixaram ver o tamanho da agulha e ele teve que esperar alguns infindáveis minutos.

Quando pode entrar. Preparou sua câmera e viu sua mulher de braços abertos, completamente dopada e uma equipe dizendo coisas que ele preferia não ouvir, do tipo: - E aí? Já deu? Ou – Abre um pouco mais pra passar melhor... enquanto isso ele fotografava qualquer coisa, tenso e cheio de esperanças. Ela não mostrava muitas reações. Até que chegou o momento mágico em que a médica puxou de dentro dela e pelas pernas aquela que seria a sua obra-prima.

Nascia naquele lindo dia dezesseis de abril sua filha mais que amada e renascia ele como o pai que se esforçaria todos os dias pra ser e para merecer ser pelo menos o melhor que conseguisse.



segunda-feira, 23 de julho de 2012

Sujeito à Análise de Crédito


As pessoas de hoje são assim, não confiam em ninguém. Você é culpado até que se prove o contrário. Pode tentar ser um cara bacana, desarmado e entregue às infinitas possibilidades da vida, que isso não vai adiantar muito. Você vai ver que tem sempre alguém pra dizer que você não é de verdade ou que você está fingindo.

A regra de hoje é tão difícil de entender que a chance de você se dar mal é sempre imensa. A primeira regra é: se não tiver envolvimento então estou dentro. Como assim, sem envolvimento? Assim mesmo! As pessoas estão apenas dispostas a viver “uma certa” dose de emoção, desde que isso não ultrapasse o limite de segurança. A busca não é pelo outro que completa, é pelo outro que satisfaz! E isso é uma completa estupidez da raça humana (na qual, obviamente, eu me incluo).

Tenho visto pessoas que acreditam que a vida é um jogo. Aliás, um não, vários jogos. Tem gente que joga xadrez. E os que sabem jogar de verdade só fazem um movimento quando acreditam saber o que vai acontecer dali a umas três ou quatro jogadas – sacrificam o peão, avançam o cavalo, protegem a rainha e brincam com a torre – vale tudo. Os que não sabem ou os que jogam como se estivessem na praça com colegas aposentados entregam o jogo de cara, tombam o rei e não se importam em perder, desde que continuem a jogar.

Tem gente que joga dama num vai e vem de peças brancas e pretas que pulam umas sobre as outras como se não houvesse amanhã. O único objetivo é ganhar, seja o que for, custe o que custar, doa a quem doer. Mas a maior parte gosta mesmo é de jogar poker. Podem ganhar ou perder uma mão, mas seguem jogando, blefando ou apostando alto. São grandes os riscos dos jogadores, mas eles não se importam com isso.

O fato é que as pessoas precisam se conhecer antes de ir em frente numa relação qualquer. Não dá mais pra acreditar que um olhar seja o bastante para construir alguma coisa com alguém. E como as pessoas preferem se vestir com personagens ao invés de se despir deles, os desencontros são muito mais frequentes do que os encontros.

Em pouco tempo estaremos pedindo para as pessoas que chamam nossa atenção preencherem uma ficha, um cadastro com os dados mais relevantes. Tomaremos um chopp ou um vinho para a entrevista inicial de recrutamento e avisaremos o tempo necessário para que a ficha seja analisada. Numa despedida quase formal, um último aviso, do tipo: deixa que eu te ligo! E pronto, está encerrada a primeira fase.

Depois, é bater a ficha da pessoa, primeiro com as redes sociais. Os dados precisam ser idênticos: residência, estado civil, gostos pessoais, gostos musicais, gostos e desgostos de todos os tipos. Ainda nelas, chega a hora de conferir as fotos e os posts. Primeiro os da própria pessoa e em seguida os que os outros falam sobre e para ela e depois que tipo de gente circula o candidato.

Feito isso, uma nota é atribuída e você passa direto ao site da receita federal para checar o CPF. Se estiver ok, você descobrirá que, pelo menos, não há grandes dívidas em nome dele ou dela e seguirá mais tranquilo para a última fase. Hora de Googlar o cidadão ou a cidadã. E isso é crítico.

Digite o nome completo. Primeiro entre aspas para que só apareçam as citações com o nome completo. Assim você descobre se ele tem um blog e sobre o que ele escreve ou, pior, se é personagem do blog de alguém (isso pode eliminar sumariamente a candidatura). Vai descobrir também se ele já foi citado como réu ou autor de alguma ação, se ele já apareceu em algum jornal, algum portal ou mesmo se ele já foi clicado em alguma balada e foi parar num desses ridículos sites que imitam colunas sociais na web.

Em seguida, tente os apelidos conhecidos e os mais prováveis. Apelidos mostram as situações mais inusitadas e ele pode aparecer das formas mais humilhantes ou ridículas possíveis. Respire fundo, é hora da verdade. Siga na busca,

Por último, digite o nome completo com o sinal de mais entre nome e sobrenomes e isso mostrará todas as combinações possíveis. Prepare-se para o pior e tenha sempre em mente que nem tudo o que está na web é verdade, mas muita coisa é.

Se o candidato ou candidata tiver sobrevivido até aqui: corra! Ele ou ela devem estar fazendo parte de incontáveis processos seletivos. Vale cercar por todos os lados e de todas as formas: mande um e-mail, adicione no Facebook (em último caso adicione também no Google+), ligue, twite, envie SMS, faça de tudo, mas de tudo mesmo.

Depois é só aguardar. Se a sua ficha também estiver limpinha talvez role um encontro e quem sabe vocês sejam felizes para sempre.

Irgh.

sábado, 21 de julho de 2012

Uma Sequência de Mão.


Uma sequência de mão. Todas as cartas na ordem certa foram aparecendo na mão dele. Dez, valete, dama, rei e ás. Todas de copas menos a dama.

Aquele jogo já acontecia há muito tempo. Começava como brincadeira entre os amigos de sempre. Nenhum deles jogava se não fosse a dinheiro. Haviam aprendido cedo que se um jogo não fosse jogado com seriedade, não valia a pena ser jogado.

Na mesa, os cinco amigos encontravam seu passado, suas lembranças de infância. Conversavam as mesmas conversas de sempre. Sorriam das mesmas coisas de sempre. E sempre brincavam as mesmas brincadeiras. Aquele jogo de poker significava mais do que apenas mais um encontro. Era quase uma celebração, uma celebração à amizade.

Aquela noite não era diferente. Todos estavam, como sempre, felizes em se encontrar. Cada um era uma parte do outro. Juntos eram um só. E o jogo era o que os unia. Sentados na mesa redonda escolhiam seus lugares, não pela sorte mas por pequenas afinidades. De um lado da mesa ficavam os amigos fumantes. Um não gostava de sentar-se de costas para a porta, outro queria sempre ficar perto da cozinha, sua geladeira e suas cervejas. Os outros não tinham tantas preferências e cediam com mais facilidade.

O jogo começou com o embaralhar das cartas. Um corte. E cinco cartas jogadas na frente de cada um. O amigo do lado fazia a mesa e o seguinte dobrava a aposta. Os fumantes acendiam seus primeiros cigarros e todos levantavam, cada um do seu jeito, suas cinco cartas. Um arrumava o jogo levantando cada carta de uma vez. A outra reunia todas as cartas ao mesmo tempo e forçava uma a uma para o lado permitindo-se ver apenas o suficiente para reconhecer a figura e o naipe. Um olhava carta por carta sem colocá-las na mão e o outro alternava a forma de abri-las em busca da forma que lhe desse mais sorte.

As primeiras mãos mostravam um pouco do que havia de acontecer durante a noite. Quem estava com mais ou menos sorte. Quem estava pensando ou não em blefar. Que tipo de jogo seria aquele. Ele observava, como sempre, os gestos de cada um. Sabia que seu irmão jogava com inteligência e sabia que seus outros amigos jogavam em função da sorte.

Poucos jogos maiores deixavam o jogo mais calmo do que o normal. Um four valeria um prêmio de cada um dos jogadores, mas o four não acontecia. Um full-house ou qualquer jogo acima valeria a opção de pedir e escolher um jogo aberto na rodada seguinte e isso acontecia repetidamente.

As fichas seguiam de um lado para o outro da mesa, trocando de dono por diversas vezes. Ele estava numa noite inspirada. Contava piadas e bebia entre amigos. Seu jogo estava morno, mas ele sabia que haveria de receber uma mão especial. E esperava por ela.

De repente, cartas distribuídas. Uma sequência de mão. Todas as cartas na ordem certa foram aparecendo na mão dele. Dez, valete, dama, rei e ás. Todas de copas menos a dama. Ele tinha uma sequência de mão, mas não era isso o que ele via. Ele só pensava no Royal Street Flush que poderia fazer se trocasse a dama errada pela certa. Se o jogo entrasse, cada um dos companheiros de mesa lhe pagaria um cacife como prêmio além das fichas que estivessem em disputa.

Trocar ou não as damas? Essa era a questão que lhe afligia. Ele pensava que qualquer um no seu lugar seguiria em frente com o jogo de mão e, possivelmente, garantiria as fichas da mesa mostrando o jogo vagarosamente para criar nos outros a sensação que mistura ansiedade, medo e expectativas. Mas no final todos saberiam que o jogo não passava de um jogo mediano que não lhe dava sequer o direito de pleitear uma rodada de aberto. Ele pensava que seria tolo deixar passar a oportunidade de uma vida sem tentar. Um Royal não é um jogo que se faz todos os dias. Um Royal é motivo de comemoração, digno de registro e ele não abriria mão da chance de viver isso.

Apostas feitas e todos entraram no jogo. O primeiro a trocar cartas pediu apenas uma, o segundo pediu três, o terceiro disse não querer cartas. Ele trocou a sua e a dealer também pediu duas cartas. O jogo prometia disputa. O que não quis cartas abria um sorriso cínico no rosto como se já tivesse garantido sua mesa, os demais estavam concentrados torcendo para que o jogo de cada um entrasse. Ele, recebeu sua carta e a colocou no final das demais, abrindo novamente a coleção de cartas de copas, uma depois da outra, até chegar na última que ele puxava devagar, chorando a sorte – como diziam.

A primeira coisa que ele pode ver é que a carta era vermelha e isso era bom. Continuou puxando a carta enquanto os outros já se preparavam para apostar. O jogador que não pediu cartas fez uma puxada alta. Apostou quase meio cacife na mão que veio pronta. O do lado oposto passou antes da hora e ele seria o próximo a falar, mas ainda não havia acabado de abrir as cartas e ainda não conhecia sua sorte. Seguiu puxando e viu que a carta vermelha era uma dama e respirou aliviado. Havia garantido, pelo menos, uma nova sequencia. Mas ele ainda não vira o naipe.  E se aquela dama fosse de ouros? E se aquela dama fosse a errada? Os outros queriam pressa e ele pedia calma. Fechou o jogo e tornou a abri-lo com mais confiança. Agora ele puxava a dama vermelha por cima das demais em busca do naipe e quando a ponta do coração apareceu, ele apenas fechou o jogo, tomou um gole da cerveja e apostou sobre a aposta.

- Seu meio cacife, mais meio cacife. Determinou.

A jogadora que havia dado as cartas não se intimidou e disse que tinha que pagar para ver. O seguinte pulou fora. O que não quis cartas tornou a olhar seu jogo e depois seus amigos e disse que não só pagaria como aumentaria a aposta em mais meio cacife. Ele contou suas fichas e apostou todas de uma só vez.

A dealer pediu um novo cacife e pagou a aposta. O que não quis cartas também pagou e ele teria que mostrar seu jogo.

Abriu um imenso sorriso e atirou uma a uma as suas cartas sobre as fichas no meio do feltro verde. Primeiro o dez, o valete, pulou a dama, jogou o rei e o ás e por fim, beijou a dama de copas e a jogou dizendo: - Pedi e a dama que eu mais desejei na minha vida veio. Fiz um Royal Street Flush! E gritou de felicidade!!! Junto com a vibração dos demais. Ver um Royal na mesa é tão bom que ninguém se importava em pagar o prêmio e todos comemoravam juntos.

Era seu dia de sorte.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Um sábado que ainda não houve

Estou esperando a inspiração chegar, mas hoje nem sei se ela aparece. É que está muito frio em São Paulo. Minha inspiração gosta muito mais do calor e de sol do que desse frio de 11 graus. Frio assim só é bom na serra, de frente para uma lareira, tomando um vinho e, principalmente, do lado de quem você ama.

...

A cidade acordou mal humorada. As nuvens estavam à beira de um ataque de nervos. Qualquer provocação e elas teriam uma crise de choro capaz de inundar as ruas e avenidas em tempo recorde. Era bom não provocar.

Era um sábado (que ainda não houve) em que ele acordou, abriu as cortinas, olhou para o céu sentindo um frio paulistano e pensou, enquanto acendia seu primeiro cigarro: - Por que é que ela está tão longe? Esse não é um dia para ficar sozinho. E se deixou pensar nas coisas que faria se ela estivesse por perto.

A Menina de Longe causava nele todo tipo de sensações e sentimentos. Um dia antes ele havia pensado em desistir, ainda que por um curtíssimo espaço de tempo. E, como se ela tivesse percebido, no momento seguinte, ele recebeu uma mensagem de texto dizendo: “Quero viver com você um grande amor. Acho que já estou!” e ele suspirou ainda mais apaixonado do que no dia em que viu seu sorriso.

- Eu não vou ficar em casa. Já sei o que fazer!

Disse em voz alta para que ele mesmo ouvisse. Apagou o primeiro e entrou no banho acendendo o segundo cigarro. Sim, ele fuma embaixo do chuveiro e isso lhe dá um imenso prazer. Deixou a água quente amolecer e esquentar seu sangue. Escolheu um sabonete Phebo porque o cheiro lhe enchia de memórias boas. Usou o shampoo que alcançou primeiro e depois um creme rinse, como sempre pensando na real utilidade daquilo. Não importava, ele apenas queria se sentir limpo e cheiroso.

Saiu do banho enrolado numa toalha imensa. Olhou-se no espelho embaçado, limpou os óculos e penteou-se com a pressa de quem está atrasado. Vestiu uma roupa quente, escovou os dentes e fez o check-list de todos os dias antes de tomar o rumo da rua: chave de casa, ok; chave do carro, ok; luzes, ok; carteira, ok... e saiu com a certeza de que ainda estava esquecendo alguma coisa.

Entrou no carro e buscou o primeiro posto de gasolina para abastecer, verificar pneus, água e óleo. Tudo certo. Escolheu músicas que lhe faziam se sentir bem, amentou o som e acelerou sem pressa buscando o túnel, a linha vermelha e a saída para a serra de Petrópolis. Ele havia decidido fazer sozinho o que queria fazer com a Menina de Longe. Preferiu não convidar ninguém. Ele sabia que se fosse com mais alguém, uma amiga, uma ex-namorada, acabaria em um jogo de sedução que talvez até fosse bom para um sábado de chuva, mas que seria muito ruim para o domingo seguinte, chuvoso ou não, ensolarado ou não.

Lembrou-se de umas pousadas bacanas que ele havia visto em uma revista de turismo e tocou para lá. Encontrou a placa de uma delas perdida entre as inúmeras placas de pousadas que escondiam um poste do caminho. Entrou e descobriu que não teria muitos problemas para conseguir hospedagem. A moça da recepção só estranhou o fato de ele estar sozinho, mas já se acostumara a receber hóspedes esquisitos.

- Publicitário? Achei que o senhor fosse escritor. Normalmente são os escritores que se hospedam sozinhos por aqui.

Ele respondeu, fez graça e tomou o rumo do chalé que escolhera para passar o dia. Dentro, uma imensa banheira de hidromassagem lhe convidava ao relaxamento total mas ele preferiu deixar sua mochila e sair para umas compras básicas. Foi a uma delicatesen que ele conhecia nas redondezas e comprou as coisas que lhe dariam  prazer. Duas garrafas de um bom vinho, um patê conhecido, alguns pães e mais algumas bobagens que funcionariam como o farnel do seu passeio.

Com as compras feitas, saiu para ver a paisagem. Manteve o carro numa velocidade baixa, algo como 60 ou 70 quilômetros por hora e foi beirando as estradas. A cada vale, uma parada. A cada horizonte, outra parada. Ele se sentia vivo e imenso quando olhava o mundo daquele jeito. Falava, sozinho, as coisas que falaria para a menina de longe se ela estivesse perto. Comentava os lugares, dizia que aquela música combinava com aquela paisagem e seguia seu caminho fingindo que ela estava lá. Fez algumas fotos no caminho para lembrar-se de seu passeio e mesmo para mostrar para ela. Apesar de sozinho, ele sentia sua presença e seguia.

A tarde já começava a cair quando ele resolveu voltar para a pousada e aproveitar um pouco do presente que tinha dado para ele mesmo.

No chalé, tirou as compras da sacola, pegou o vinho em suas mãos e riu. Não era a primeira vez que ele comprava vinho e esquecia-se do abridor. Com o tempo ele havia aprendido algumas técnicas que a vontade de beber ensina e estava pronto para enfiar a rolha para dentro da garrafa quando percebeu que o quarto tinha um abridor sobre o frigobar.

Serviu uma taça e levou a garrafa para a beira da banheira que já enchia quente. Acendeu a lareira e ligou o som. Dessa vez ele escolheu uma música clássica que sua mãe adorava. E o Bolero de Ravel ia tomando conta do ambiente e crescendo devagar enquanto ele, deitado, tomava um ou outro gole de vinho pensando. Sua mãe lhe tinha dito que aquela música expressava uma relação sexual, por isso crescia daquela forma, por isso era dançada da forma que era. E, com isso em mente, ele se deixou levar pelos acordes melodiosos e repetitivos e se viu excitado com a força da música. Fechou os olhos para ver os olhos da menina de longe e suspirou imaginando-a a seu lado. E, de repente, sentiu a menina de longe sentar em seu colo nu e aconchegar-se. Abraçou-a com volúpia, beijou-lhe a nuca, confessou poesias no seu ouvido e a chamou de grande amor. Os movimentos cresceram, os carinhos cresceram e a musica cresceu junto até seu momento mais forte e mais intenso. Juntos consumiram-se no amor raro e juntos adormeceram...

...

Era um sábado (que ainda não houve) em que ele acordou, abriu as cortinas, olhou para o céu sentindo um frio paulistano e pensou, enquanto acendia seu primeiro cigarro: - Por que é que ela está tão longe?

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Colonia de Ferias - Santo Inacio - 1973

Correas era assim... achei esse vídeo do Luiz Póvoa no Youtube... delicioso!

Correas


No seu colégio havia um lugar especial. Uma casa na serra de Petrópolis para onde todas as turmas de todas as séries iam por um ou dois dias por ano. Uma casa especial onde havia mágica no ar.

A cidade, ou distrito, era Correas, pertinho de Itaipava. O simples aviso de que já havia uma data marcada para a viagem causava um imenso alvoroço em sala. Meninos e meninas logo começavam a pensar nas inúmeras possibilidades que a viagem podia oferecer. Talvez fosse a hora certa de conversar com aquela menina que ele passou mais de três meses olhando de longe. Talvez fosse o melhor momento para transformar uma amizade de colégio em uma amizade que pudesse durar uma vida toda. Talvez fosse o tempo de meditar. Talvez fosse o caso apenas de brincar e se divertir.

O menino poeta sonhava com Correas todos os anos. As suas primeiras incursões marcaram sua vida para sempre. Logo na primeira viagem uma descoberta. A de uma lanchonete que ele frequenta até hoje: a Casa do Alemão. Lá, ele logo aprendeu que um croquete é muito mais do que um bolinho comprido que se faz com os restos da carne assada do dia anterior. Lá, ele percebeu que um mil folhas não precisa ter mil folhas para ser inesquecível. Aquela parada virou um ponto de referência para sempre.

O passeio era feito no ônibus do colégio. O mais paciente dos motoristas era escalado para levar a turma. Ele nem tentava pedir para que as crianças ficassem sentadas. Dirigia com tranquilidade e em silêncio. Até hoje o poeta acredita que ele apenas rezava o tempo todo para que nada acontecesse. E quanto mais perto chegavam da casa mais barulho fazíam. A última curva era para a direita. A esquina da rua da casa, que ficava numa ladeira, tinha um poste que dificultava bastante a manobra e os meninos e meninas em algazarra cantavam:

Motorista, motorista. Olha o poste. Olha o poste. Não é de borracha. Se bater amassa. Din. Den. Don. Din. Den. Don.


Quando o portão da casa se abria todos se amontoavam nas janelas para ver se estava tudo da mesma maneira que eles se lembravam. A primeira visão era o bonde. Do lado do campo de futebol havia um bonde antigo. Lugar que meninos e meninas escolhiam para as conversas mais profundas. Era para lá que os casais iam para conversar e quem sabe selar um namoro com um beijo roubado. Na madeira dos bancos nomes e mais nomes eram talhados com canivetes ou chaves. Declarações de amor eram sintetizadas em um coração com suas iniciais e ali dentro juravam o amor eterno.

Os amplos dormitórios possuíam baias separadas por uma divisória que não passava da altura do peito deles. Cada um corria para escolher sua cama e logo buscavam o melhor amigo para dividir com eles o mesmo espaço. Um pequeno armário era o bastante para que as roupas, casacos, toalhas e outros objetos fossem guardados de qualquer maneira, sem a usual supervisão materna. Cumprida esta etapa, todos saiam em direção ao campo de futebol ou para a quadra de basquete ou para a piscina. O importante era estar em grupo, respirar aquele ar de serra e curtir a delícia de serem tão jovens.

Das primeiras idas do menino poeta a melhor lembrança era a de Diana. Não, não era um dos seus primeiros amores. Diana era o nome de um Pastor Alemão que tomava conta da casa e se oferecia em carinhos para todas as crianças do colégio. Um poderia até ter medo de cachorro, mas era impossível ter medo da Diana. O menino poeta sempre reservava um tempo para lhe fazer carinhos e para brincar com aquele animal inesquecível. Era como se ele, e todos, tivessem nela o seu primeiro animal de estimação. Todos eram os donos da Diana e todos lamentam sua falta até hoje.

Um grupo de quarenta crianças seria praticamente incontrolável se não fosse pelos dirigentes. Dirigentes eram os alunos mais velhos que, graças a um bom relacionamento com os padres do colégio, eram escalados para ajudar a organizar o passeio. Usualmente três ou quatro meninos e três ou quatro meninas que rapidamente passavam a povoar o imaginário infantil. Afinal, uma menina com dois anos a mais que qualquer um daqueles meninos de colégio, que estavam justamente naquele momento descobrindo as possibilidades do amor, era quase um sonho. E as dirigentes eram sempre lindas, mesmo que não fossem.

Em uma das viagens, o menino poeta foi o escolhido de duas dirigentes. Ele se viu paparicado e seduzido pelas duas. Uma era mais atirada, de uma maneira que conseguia disfarçar melhor a sua essência. Falava tanta bobagem e era tão divertida que ninguém conseguia perceber direito o que se passava dentro dela. A outra era sedutora e distribuía generosas porções de charme para o menino poeta que se encantava em ser o motivo das suas atenções e com a possibilidade de conquistá-la. Foi uma das suas viagens inesquecíveis pelo tanto que ele descobriu ser possível imaginar e sentir.

A noite era o momento mais esperado. Alguns dos meninos arrumavam, no meio da tarde, uma desculpa qualquer para sair da casa. Diziam, por exemplo, que precisavam ir a farmácia e ganhavam um salvo-conduto que os autorizava a ir até o bar mais próximo comprar clandestinamente uma bebida qualquer. O ideal era uma garrafa de rum, que misturado com a Coca-Cola disponível na própria casa não era percebida por ninguém e podia ser consumida livremente. Quantas cubas-libres não foram sorvidas por aqueles pequenos pré-adolescentes? E quanta cumplicidade não nasceu daqueles momentos de transgressão?

Havia um momento em que era dado o toque de recolher. Todos tinham que ir para os dormitórios e se preparar para dormir. Uns de pijama, outros de calções, outros de moletom. Cada um se arrumava do seu jeito e encontrava a sua cama para deitar ou, pelo menos, para fingir que era o que fariam. Assim que as luzes eram apagadas o mesmo ritual se repetia. Um sempre repetia o bordão de um dos seriados da época: “Boa noite John Boy” e em coro o resto da turma respondia: “Boa noite babaca” e todos caiam na gargalhada. Os mais levados aproveitavam o sono dos mais cansados para espalhar pasta de dente nas mãos dos colegas só para rir na manhã seguinte com o estrago da pasta endurecida espalhada pelos rostos e cabelos. Era uma farra.

O café-da-manhã era servido no segundo andar da casa principal. Lá havia sempre pães frescos, manteiga, café, leite, achocolatado e frutas. Foi lá que o menino poeta aprendeu a delícia de um pão francês coberto com manteiga e regado com Nescau. Ele nunca nem havia pensado nessa possibilidade na mesa de café da sua casa, muito menos na frente do seu pai que faria uma típica cara de nojo e diria que aquilo era coisa de gente da baixa Bessarábia.

Algumas atividades eram obrigatórias. Havia uma missa e algumas dinâmicas de grupo com o propósito de aproximar as crianças e de reforçar a educação católica do colégio jesuíta. Mas nada que estragasse o clima festivo.

Em todas as viagens havia um churrasco. Todos ansiavam pelo momento em que o sino que ficava na varanda da casa tocaria avisando que o almoço estava pronto. Todos corriam para lavar as mãos e garantir um dos primeiros lugares na fila que se formava rápida e longa. Mas ninguém começava a comer antes que um coro de crianças entoasse em ritmo de rock:

Ao Senhor agradecemos. Aleluia. O alimento que teremos. Aleluia.

A música de louvor e agradecimento se transformava em outro momento especial. E todos cantavam alto, batendo palmas e dançando como se estivessem na matiné de uma boate. Os alunos do colégio adoravam transformar as músicas sacras em baladas.



O menino poeta aproveitou aquela casa como poucos. Fazia dela seu lugar mais especial do mundo. Seu amor pelo lugar era tanto que, mesmo mais velho. ele fez de tudo para ser escolhido como dirigente de turmas mais novas, mas essa é outra história, outra viagem.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

???

Qual o seu sobrenome mesmo? Onde você mora? Onde você estudou? Aonde vai a praia? Que curso de inglês você fez? É sócia de algum clube? Tem irmãos? Irmãs? O que seu pai faz? E sua mãe? Prefere praia ou montanha? Gato ou cachorro? Você já leu aquele livro? Já viu aquela peça? Assistiu àquele filme? O que você está lendo? Quantos anos você tem mesmo? Curte viajar? Qual sua cidade favorita no mundo? E no Brasil? Tá trabalhando? Tá namorando? O que você bebe? Vodka ou cachaça? Limão, lima ou outra fruta? Tá frio né? Você já tinha vindo aqui? Gosta? E já experimentou esse prato? Posso pedir? Você tá sempre linda assim? Que perfume é esse? Você se lembra do fulano? Tem falado com sicrano? Você tá feliz? Gostou do prato? Você quer mesmo saber? Lembra-se da beltrana? Você pode imaginar? Você consegue me ver nessa situação? Sobremesa? Você não acha melhor assim? Café? Você teve filhos? E você? Mas isso é bom? E hoje? Ainda gosta dele? Outro café? Sabe do que mais? Você aguentou isso sozinha? E depois? Como você se imagina em cinco anos? Alguém já te disse que você é linda hoje? Sabe que eu sempre quis conhecer você melhor? Você acredita em amor a primeira vista? Seus olhos são azuis ou verdes? Posso pedir a conta? Vamos dar um passeio? Você já foi naquele mirante? Você vê um coelhinho na lua cheia? Você tem medo de se envolver? Você sabe o que eu quero de verdade? Você acredita que eu sonhava com esse dia? Você lembra quando a gente se viu a primeira vez? Você acredita que eu não esqueci? Que perfume é esse? Você consegue entender isso? Você gosta de poesia? E de dançar, você gosta? Vamos? Talvez outro dia? Quer uma cerveja? Você fuma? Quer um cigarro? No que você tá pensando? Vamos deitar no capô do carro? E agora, você vê o coelhinho na lua? Posso segurar sua mão? Posso olhar seus olhos? Posso parar de pedir permissão? Tá rindo de que? Divertido, eu? Tá me chamando de palhaço? Você sabe no que eu tô pensando? Você teria coragem? Você é doida? Jura? Você é uma mulher fascinante, sabia? Me abraça? Que perfume é esse? Você sabia que eu me sentia assim antes de vir? Você perguntou pra ela? Você sabe quanto tempo demorei pra escolher a roupa? E o restaurante? Você desconfiava? E nisso, você tinha pensado? Sim: são músicos pra você, você duvida? Me abraça? Me beija? Você tem ideia de como eu tô feliz? Vamos guardar esse momento pra sempre? Vamos ver o sol nascer? Vamos ficar juntos? Vamos?

- Ainda está muito longe?


Ele se pegava repetindo a pergunta que fazia ainda menino quando viajava de carro. A resposta, embora nunca fosse verdadeira, era sempre a mesma: - Tá chegando! E ele esquecia por alguns instantes olhando pela janela as paisagens de todas as viagens. Por lá passavam bois e vacas pastando. Passavam cavalos. Passavam pequenas cidades. Passavam pessoas estranhas caminhando pelo acostamento. Passava o mundo inteiro por aquela janela até que ele se lembrasse, cinco minutos depois, de repetir a pergunta:

- Ainda está muito longe?

Hoje, ele parou por um instante e viu a chuva enfeando o dia frio de um raro inverno carioca e se perguntou: - Ainda tá muito longe? E a pergunta repetida inúmeras vezes nas viagens da infância começou a lhe perturbar de cinco em cinco minutos. Só que agora ele não pensava mais no destino, mas na Menina de Longe.

- Ainda está muito longe?

Desde que se conheceram eles passaram a se falar todos os dias. Ele liga. Ela liga. Eles trocam mensagens de texto. Ele deixa um recado. Ela publica uma resposta. Ele segue escrevendo. Ela continua longe... muito longe.

- Ainda está muito longe?

A distância nem aumenta, nem diminuí. Para estar com ela uma boa dose de loucura era não apenas recomendável como necessária. Mas, de outra forma, eles estão sempre juntos. Ela dentro dele. Ele dentro dela. Em uma cumplicidade que se formou rápida demais, forte demais. O pensamento começou a ser tomado de memórias e as memórias se transformaram em saudades e ela repetia: - Saudades é o amor que fica.

- Ainda está muito longe?

Não pode ser, pensava ele. Se as saudades forem o amor que fica então como matá-la? Matar as saudades mataria também o amor que fica? E ele se perdia em pensamentos tolos, olhando o mundo passar pela janela do dia de chuva, para depois concluir que não era isso o que ela queria dizer, mesmo porque quando estivessem juntos já não haveria saudades, apenas o amor que chega.

- Ainda está muito longe?

E ainda estava. E a fantasia de ambos seguia tomando conta das vontades dos dois. E ele imaginava outra vida, outro momento, outras chances de estar perto. E pensava: - Eu nem a beijei ainda... como pode ser isso? E pensava mais ainda: - Nós ainda não confessamos amor com as palavras... como posso guardar tanto para dizer?

- Ainda está muito longe?

A chuva não ajudava em nada. Seguia caindo mais ou menos intensa, mas seguia e fazia com que o barulho dos carros nas pistas molhadas abafassem os seus próprios pensamentos.

- Ainda está muito longe?

Preciso chegar logo!

terça-feira, 17 de julho de 2012

Poeta ouvindo música...


A vida não é filme, você não entendeu. Acho que nunca tentou entender, na verdade. A vida também não é uma peça de teatro ou letra de música. É você quem escreve as suas linhas. Todos os dias e do melhor jeito que você conseguir.

Não precisa ter medo de dormir nem de acordar. O fato é que você está sim sozinha nestas horas e isso é bom pra você. Só assim você pode sonhar e acordar sabendo que ninguém foi ao seu quarto quando escureceu. E quando você sonha descobre que as coisas acontecem porque a gente faz acontecer. O sonho de ontem foi bom pra que você crescesse e ficasse sabendo o que passava no seu coração e pra descobrir se o que você fazia era certo ou não.

Sonhos podem trazer de tudo. O cavalo andando solto na montanha. O rapaz fazendo pose e a mocinha (que) se perdeu olhando o sol se por. Você escolhe. Escolhe o início e escolhe os caminhos e, se quiser, escolhe o final que pode ser alegre ou triste ou cheio de paixão, sabendo apenas que (é lindo no) final romântico, morrer de amor.

Quando acordar, vá ver o dia nascer. Experimente ficar relembrando na janela tudo que viveu. Descubra como é bom ficar fingindo não ver os erros que cometeu porque sua vida é assim e assim tanto faz se o herói não aparecer.

E daí vá tomar café, olhar e abraçar quem você ama e nada mais. Só não esqueça que a vida não é filme, você (ainda) não entendeu, porque de todos os seus sonhos não restou nenhum e ninguém foi ao seu quarto quando escureceu e (que) só você não viu, não era filme algum, porque assim tanto faz se o herói não aparecer. Porque daí nada mais...



segunda-feira, 16 de julho de 2012

Questionário


Que tal um verso? Um verso apaixonado? Que tal se eu disser a você que todos os meus sonhos podem ser resumidos em um só beijo? E se disser que só você tem esse beijo guardado nos lábios?

Que tal uma história? Uma história de amor? Que tal se eu contar uma história falando da vida que sonhei pra nós, mesmo antes de conhecer você? E se disser que essa história só existe com você?

Que tal uma crônica? Uma crônica envolvente? Daquelas que só existem quando você se deixa levar pelo sentimento de quem escreveu? E se eu disser que essa crônica só pode ser lida em um folego só porque ela foi escrita com o último suspiro que dei antes de conhecer você?

Que tal uma odisseia? Uma odisseia de um amor épico? Que tal se eu disser que nesta odisseia os amores não se desencontram, mas juntos encontram as aventuras que justificam e explicam o amor verdadeiro?

Que tal um poema? Um poema de amor eterno? E se eu disser que me assustaria com a força das palavras e com o ritmo de cada quadra ou com a ausência delas? E se esse poema fosse o mais lindo poema do mundo, mas não pudesse ser lido por ninguém se você não o lesse antes?

Que tal uma ode? Uma ode à solidão que morreria ao nos conhecermos? E se eu disser que essa ode não pode existir sem que antes juntos nós tenhamos assistido várias vezes o pôr-do-sol como se fosse o último?

Que tal uma novela? Uma novela romântica e divertida? E se eu disser que essa novela teria finais felizes todos os dias? E se mesmo assim eu disser que essa novela não seria tão boa quanto a vida que teríamos juntos?

Que tal um relatório? Um relatório sobre nossos encontros? E se nele registrássemos tudo o que sentimos desde o primeiro olhar, o primeiro sorriso? E se o guardássemos em um lugar seguro para nunca esquecermos o que nos juntou?

Que tal conto? Um conto das nossas vidas? E se eu disser que escreveremos juntos esse conto, um dia de cada vez, torcendo para que o final nunca chegue? E se esse conto não acabar nunca?

Que tal um questionário?

Manhã de Chuva


Era um dia de chuva quando ele se deu conta do que estava fazendo com a sua vida. Acordou mais tarde do que o normal e com menos vontade de levantar da cama do que o normal. Acendeu logo um cigarro e começou a pensar.

Ele tinha tentado ser feliz com várias pessoas, mas não encontrava ninguém que realmente se encaixasse do que ele esperava da vida. Tinha tido um namoro longo e especial que acabou de forma tola e superficial. Mas aquele amor tinha marcado a vida dele pra sempre. Tentava seguir, não desistia. Tinha certeza de que logo encontraria alguém ainda mais especial e capaz de fazer da sua vida uma vida mais completa.

Levantou para fazer café, já no segundo cigarro, e se deu conta de que aquela não seria apenas mais uma manhã chuvosa. Ele teria que pensar, não tinha escolha.

Na semana anterior ele havia saído com pessoas importantes no seu passado. No fim de semana anterior encontrou-se com uma das meninas com quem havia namorado recentemente e sorriu feliz de estar por perto dela. Ela pensava em retomar a relação de algum jeito. Não entendia bem porque as coisas não tinham ido em frente. Ele sabia, mas não falava.

No dia seguinte um reencontro de pele marcou seu dia que acabou mal por que pele é pele, sentimento é outra coisa. Melhor nem comentar.

Já no outro dia, outro reencontro sem intenção de ser mais do que um encontro marcou sua semana. Ele reviu uma das pessoas mais importantes da sua vida. Percebeu que ela continuava importante, mas não fez disso uma coisa maior do que era. Manteve-se à distância segura que mantem as pessoas que não querem nem machucar nem serem machucadas. Uma despedida com um beijo carinhoso. A certeza de que ela faria parte da vida dele para sempre e a vida voltava ao rumo desencontrado de antes.

Na mesma semana uma amiga pede colo e ele oferece cafuné. E o que parecia um encontro só de amigos ganha ares de um romance despretensioso e ele caminha sem se dar conta dos caminhos que está escolhendo.

Sua vida cobra explicações dele. O que é que você está fazendo? Por que essa eterna necessidade de se sentir desejado, querido, amado? Por que tanta intensidade em todos os seus momentos? Por que é que você não aprende de uma vez por todas a respeitar seu coração e seu tempo?

E ele toma a segunda caneca de café pensando nos caminhos a seguir. Percebe que sua vida chegou novamente a uma encruzilhada. É hora de escolher. Se for por um lado, continuará fazendo o que faz e se perdoando com a desculpa de ser poeta, com a covardia de quem não é capaz de amar de verdade, com o vazio preenchendo apenas as páginas de um livro que sequer foi editado ainda.

Se escolher o outro lado vai deixar de viver com a intensidade que o caracteriza. Vai deixar de se permitir encontros que podem não ser nada mas que também podem ser tudo. Vai aprender a esperar sozinho o encontro mágico que a vida há de proporcionar. A escolha por uma vida menos intensa lhe preocupa. É como se ele mergulhasse tão fundo que duvidasse ser capaz de voltar à superfície sem respirar. Medo.

Ele busca a terceira caneca de café e continua pensando. Deve ser a chuva que lhe deixa assim, inseguro das escolhas, sem saber que caminho tomar. Sem saber se o que faz é bom ou ruim. Deve ser a chuva.

O que ele queria de verdade é que houvesse alguém capaz de percebê-lo da mesma forma que ele acredita perceber as pessoas. E que esse alguém lhe oferecesse a mão e dissesse: - Vem! É por aqui! E, mesmo assim, ele talvez ainda duvidasse de que aquela seria a mão certa a segurar.

O tal namoro especial que o marcou fez com ele aumentasse a sua expectativa. Já não basta apenas um beijo apaixonado. Já não basta mais o sexo intenso. Sua necessidade é por algo muito maior que não surge nas esquinas todos os dias. Desde esse tempo, em todas as vezes em que tentou amar e que buscou na outra pessoa a mão que lhe puxaria para um dos lados da estrada ele hesitou. Sentou-se frente a encruzilhada e não se deixou levar. Não achava justo nem bom o bastante seguir com alguém que não tivesse a mesma importância daquele amor que se desfez. Não acreditava o bastante. Preferia sentar-se e seguir olhando a estrada sem seguir.

Pensava na menina de longe que povoa seu imaginário. Ele sabe que a fantasia que ela traz é capaz de encantá-lo de uma forma especial. O fato dela estar longe o anima a viver a fantasia porque viver o real é quase impossível. E o fato de ser quase impossível o atrai, o desafia.

Percebe que está sozinho e não gosta disso. Percebe que seu coração está cheio apenas de fantasias, sem nada de realidade, e também não gosta disso. Acende mais um cigarro, toma seu banho e seu rumo para a vida do dia-a-dia que não espera. Para de pensar. Prefere apenas escrever e tirar a angústia de dentro.

E segue o baile.

sábado, 14 de julho de 2012

Parabéns!


Minha vontade era acordar você com uma imensa bandeja, um lindo café da manhã e um imenso bouquet de flores do campo, sempre elas. No som, um pouco de jazz...só um pianinho, no máximo a voz de uma daquelas negras americanas lindas que encantaram o mundo.

Ainda na cama, mimando você, entre uma garfada de ovos mexidos ou um pedaço de pão com cream cheese e geléia, conversaríamos sobre os planos do dia. Juntos, escolheríamos nos perder por aí. Mas antes faríamos amor sem nem perceber a bandeja caindo no chão e, ao invés de exaustos, acabaríamos rindo, felizes e abraçados confessando amor. Um amor exagerado e feliz.

Tomaríamos, juntos, um banho gostoso em que eu ensaboaria cada pedaço do seu corpo, acarinhando aqui e ali. Perderia um tempo imenso espalhando shampoo no seu cabelo com carinho, como um cafuné molhado. E depois veria a água caindo sobre sua cabeça, seus olhos fechados e ela emoldurando seu corpo como uma aura. Tentaria apenas olhar, mas roubar mais um beijo seria inevitável.

Esconderia a toalha para que secássemos juntos com o calor dos corpos e com o desejo dos olhos. Roubaríamos um último biscoito enquanto estivéssemos colocando as roupas e você roubaria uma camisa minha para se sentir menor de tamanho e maior de amor.

Juntos, escolheríamos a música e sairíamos com o som alto cantando as letras que conhecêssemos e as pessoas dos outros carros olhariam para o nosso com espanto, mas não resistiriam a um sorriso cúmplice da nossa felicidade.

O carro nos levaria até a estrada onde encontraríamos um campo verde e onde pararíamos, apenas para olhar. E, abraçados, nos beijaríamos sentindo o cheiro da grama molhada invadindo nossos sentidos. E depois correríamos pelo mato sem direção, correríamos de felicidade numa corrida por nossos sentimentos, por nossa essência. Correríamos até cair juntos na relva (adoro essa palavra) abraçados, cansados e felizes.

De volta à estrada, iríamos em frente procurando um lugar para almoçar. E ela nos levaria a um restaurante emoldurado pela natureza, com música e alegria que transbordariam o momento. Contaria em segredo para um dos donos que hoje é seu aniversário e voltaria à mesa para beijar você, entre um e outro brinde pelos tantos motivos que a vida nos dá para brindar.  E seríamos despertados desse beijo pelo coro de vozes que entoariam a nossa canção favorita, aquela que ainda não temos, mas que vai marcar nossa história quando a encontrarmos.

Você me olharia e saberia que fui eu quem pediu a música e sorriria o sorriso mais lindo, me lembrando o primeiro motivo que você me deu para me apaixonar. E passaríamos o resto do dia numa pousada linda redescobrindo o prazer de namorar todos os dias e continuaríamos noite adentro celebrando seu dia.

Parabéns!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Expectativas


Se eu mostrar que estou apaixonado ela não vai dar valor

Se ele perceber que estou nervosa, vai me achar uma boba

Se ela notar que toda a minha roupa é nova, vai me achar ridículo

Se ele respirar mais forte vai enjoar com meu perfume

Se não a levar em lugar legal ela nunca mais sai comigo

Se ele atrasar eu vou fumar um cigarro

Se ela não estiver pronta eu vou fumar um cigarro

Se ele não abrir a porta do carro é porque não quer nada sério

Se ela não curtir o som vou procurar uma rádio

Se ele botou essa música de propósito tem chance

Se ela não falar nada vou ficar tenso

Se ele não quiser me ouvir vou ficar triste

Se ela não gostar do restaurante vou morrer numa grana à toa

Se ele acha que me impressiona tá perdendo tempo

Se ela pedir pelo preço vou inventar uma dor de cabeça

Se ele não pedir um vinho as coisas vão mal

Se ela não aceitar um vinho vou beber a garrafa toda sozinho

Se ele brindar sem olhar ferrou

Se ela brindar sem olhar ferrou

Se ele não ligar que eu peça uma salada vou ficar mais tranquila

Se ela é do tipo que vive de dieta vou ficar tenso

Se ele achar que sou do tipo que não come nada vai me achar doente

Se ela não quiser o couvert vou achar que ela está doente

Se ele não deixar o último ovo de codorna vou ficar danada

Se ela disser que pão engorda vou achar péssimo

Se ele soubesse como eu gosto de pão não faria isso

Se ela me der uma chance peço uma música para o pianista

Se ele pedir uma música para o pianista vou sorrir por dentro

Se ela souber a letra vai entender o recado

Se ele soubesse que pra mim essa música é um recado talvez pedisse outra

Se ela sorrir vou sorrir junto

Se ele sorrir vou sorrir junto

Se ela pedir sobremesa vou pedir uma colher

Se ele pedir sobremesa vou pedir uma colher

Se ela tomar café puro vou admirá-la ainda mais

Se ele colocar adoçante vou acha-lo um tolo

Se ela fizer menção de pagar vou me aborrecer

Se ele não me deixar pagar vou ficar constrangida

Se ela quiser vou leva-la para ver a lua na varanda

Se ele me levar pra ver a lua na varanda vou soltar um suspiro

Se ela suspirar vou chegar mais perto

Se ele chegar mais perto minhas pernas vão amolecer

Se sentir que ela está amolecendo vou abraçá-la

Se ele me abraçar vou segurar sua mão com carinho

Se ela segurar minha mão vou chegar bem perto da sua nuca

Se ele chegar perto da minha nuca vou fechar meus olhos

Se ela fechar os olhos vou tentar beijá-la

Se ele tentar me beijar vou tentar recusar

Se ela tentar recusar o beijo vou abraça-la com mais força

Se ele me abraçar forte não sei se vou aguentar

Se ela não aguentar vou provar seu gosto

Se ele me beijar do jeito certo vou me apaixonar

Se ela me beijar do jeito certo vou me apaixonar

Vai ser uma longa noite...


- Ei, aonde é que você pensa que vai vestida assim?
- Mas mãe, estou de jeans e camiseta. Qual a implicância agora?

E ela teve que ouvir da mãe que se ela saísse daquele jeito não teria muitas chances na noite. Imagina se algum rapaz se interessaria por uma moça de jeans e camiseta. Disse já se levantando e tomando o rumo do seu próprio armário em busca de uma roupa mais adequada para a filha tão querida.

Foi o tempo necessário para ela buscar a saída, chamar o elevador e bater a porta de casa com barulho suficiente para a mãe entender que ela já tinha ido.

...

Era uma sexta-feira como qualquer outra. Ela estava indo para um bar encontrar-se com os amigos e com os amigos dos amigos para depois seguirem para uma boate da moda. Alguns estavam do lado de fora, fumando, e ela chegou com uma cara triste que não passou despercebida.

- O que houve?
- Minha mãe. Que mania de tentar me fantasiar de uma coisa que eu não sou. Saco! Mãe é um saco!

E as meninas riram e amenizaram a situação perguntando se aquela irritação toda era só por causa de um casaquinho que ela se recusara a levar para a noite. Não era. Mas a noite estava só começando e ela entrou junto com os fumantes para a mesa grande onde se reuniam mais de vinte jovens como ela.

Quase todos os rostos da mesa eram conhecidos. Havia, no entanto, dois rapazes que ela não conhecia. Primos de um conhecido, alguém simplificou. Um deles parecia saído de um filme de ação dos anos 90. A produção do cara incluía uma jaqueta de couro, um relógio incrível, um corte de cabelo bem ousado e até mesmo óculos escuros, que ela pensou ser um exagero. De qualquer jeito ele se comportava como “o” cara, tanto que ela mal percebeu o outro rapaz que usava apenas uma calça jeans surrada e uma camiseta branca.

Um chopp. Dois chopps. Três chopps. Até que alguém diz: - Galera, tá na hora. Vam’bora!?!

Conta paga e todos se organizam para pegar os primeiros táxis que passassem, já que o ponto, como sempre, estava vazio. O bonitão recém-chegado ao grupo fecha sua jaqueta de couro e saca o capacete de uma linda moto estacionada em frente ao bar. Abre o bagageiro e tira outro capacete e levanta os óculos olhando para ela, oferecendo o capacete como uma espécie de senha para a carona. Ela havia sido a escolhida e ficou feliz com isso.

- Você tá bem pra dirigir a moto? – ela perguntou, já acomodada na garupa, antevendo o prazer de segurar na cintura do rapaz que não passava despercebido.
- Estou ótimo e a noite está só começando gatinha.

“Gatinha?”, “Gatinha?” Fala sério. Ele não só parecia saído de um filme antigo como falava do mesmo jeito dos caras por quem a sua mãe babava nos DVDs preferidos. Ela riu, mas só por dentro pra não estragar o momento.

Como não podia deixar de ser, eles chegaram bem antes na boate. Ele desceu da moto e a ajudou a tirar o capacete já tendo tirado o seu. De um jeito que parecia ensaiado, ele conseguiu segurar os dois capacetes com uma mão e envolver a menina com a outra, puxando-a com firmeza para uma tentativa frustrada de um beijo.

- Opa... olha só eu não sei nem seu nome e não sou do tipo que sai beijando qualquer motoqueiro!

Ele manteve a pose cafajeste e disse apenas: - Que pena! Guardando em seguida os capacetes na moto, abrindo a jaqueta e arrumando os óculos enquanto passava os olhos no movimento da porta da boate em busca de uma presa nova. Ela riu de novo. Imaginou seriamente a possibilidade de vê-lo sacando do bolso de trás da calça um pente Flamengo (marca que seu porteiro usava) para ajeitar os cabelos milimetricamente preparados para a noitada.

Os amigos chegaram e a situação ficou mais leve. Mas ela já não estava mais a fim de passar a noite bebendo e dançando, ainda mais quando descobriu que era uma balada de música eletrônica. Ela avisou a todos que não ficaria e o motoqueiro fez uma pose ainda mais cafona, virando-se para ela, levantando os óculos novamente e dizendo: - Olha gata, não precisa ir embora por minha causa. E ela não se conteve.

- Ô John Travolta dos pobres, é o seguinte: não vou embora por sua causa, vou porque não tô a fim de ficar num lugar que mais parece uma vitrine de gente fantasiada de babaca que nem você. Fui clara!?

Tinha sido. O cara achou melhor baixar os óculos e tomar o rumo da entrada enquanto as amigas diziam que ela tinha pegado pesado. Ela se despediu se desculpando com todos e dizendo algo como: - Foi mal, mas hoje minha paciência tá curta. Em seguida fez sinal para um táxi que passava.

O outro rapaz que ela não conhecia abriu a porta do Santana (ela detestava táxi Santana, mas foi o que passou) e perguntou antes dela entrar: - Para onde você vai? Me dá uma carona? E foi entrando em seguida sem que ela pudesse responder. No táxi, pediu que o motorista os levasse para o Arpoador.

- Olha só. Seu amiguinho já estragou minha noite. Não tô a fim de me aborrecer de novo com ninguém, então: será que você se incomoda em me deixar em casa? E ele riu.

- Primeiro, ele não é meu “amiguinho”, também conheci o Tom Cruise hoje. Depois, não sei se você reparou, mas só nós dois estamos de jeans e camiseta. Quis sair de lá porque não tenho paciência para ficar numa balada com gente vestida de um jeito que não curte, se comportando de um jeito que não é, só pra ver se consegue ficar com alguém por quem eles não têm o menor interesse. E ela riu.

E o Santana seguiu rumo ao Arpoador. Ele fez questão de pagar, desceram e seguiram caminhando até as pedras que emolduram aquele canto na praia. Ele sorria e olhava para o mar, para o céu, para as pessoas que passavam e apenas sorria. Ela estava dividida. Não sabia se aproveitava a linda noite de lua cheia ou se tomava cuidado com o companheiro de indumentária.

- Você consegue sentir?
- O que?
- A mágica no ar? Você consegue perceber o momento? O cheiro bom que vem do mar, a luz boa que vem da lua, a brisa mansa que o vento traz.

Ela não respondeu. Ele perguntou:

- Posso fazer uma proposta?

Ele não esperava respostas, e continuou:

- Vamos passar a noite aqui, conversando até o nascer do sol?
- Por quê?
- Ora, porque esse dia vai emendar no outro dia que chega daqui a pouco e se não aproveitarmos o agora ele nunca mais vai voltar nem nos dar a chance de viver isso.

E ela riu, sentando em uma pedra, cruzando as pernas, tirando de vez qualquer armadura que pudesse estar usando e dizendo:

- É melhor você se sentar... essa vai ser uma longa noite.