Um caso de polícia. Roubaram as minhas fantasias. Acordei de
manhã e procurei em todos os lugares. Onde será que eu guardei? Foi o que
pensei primeiro. Depois, lembrei-me que elas estavam ali ontem à noite. Conversei
com elas antes de dormir. Disse-lhes que estava frio e que era importante que
se cobrissem para não ficarem doentes. Beijei-lhes e dormi.
Hoje acordei cedo como sempre. Olhei para o lado e elas não
estavam mais lá. Chamei-lhes pelo nome, mas não me atenderam. Levantei-me para
fazer o café – sempre penso melhor depois do café. Andei pela casa e lá elas
não estavam. Sentei-me na cama e me preocupei: por onde andaram minhas
fantasias?
Será que se transformaram em gatos no meio da noite e,
furtivamente, ganharam as ruas e as matas que cercam minha casa? Será que foram
ver se a lua estava mesmo cheia e se ela formava os desenhos que gostavam de
ver nas noites apaixonadas? Será que desistiram de viver como fantasias na
minha vida de poeta? Talvez... Talvez elas tenham se transformado em realidade,
pensei. Talvez sejam como lagartas que dormem em casulos e acordam de manhã
ganhando asas e se transformando em borboletas. Olhei para cima, mas borboletas
não havia ali.
Preocupado busquei o jornal. Quem sabe haveria uma notícia
sobre elas. Não havia. Tomei a segunda caneca de café e fumei um cigarro para
que tentasse ver na fumaça o vulto delas, mas não vi. Abri meu livro de cabeceira
para ver se era lá que se escondiam, mas não era. Voltei a deitar. Precisa pensar
no que seria de mim sem minhas fantasias. Meu poeta morreria de angústia e de
tristeza. Logo ele, meu companheiro de tantos anos. Tomei mais um gole de café.
Acendi outro cigarro. E chorei.
Minhas lágrimas caíram uma a uma pelo rosto do menino triste
em que em transformara. Chorei de saudades das fantasias que tanta companhia me
fizeram e que tantas histórias doces me contaram. Chorei a ausência física. Chorei
o choro de uma criança magoada que dói de ver, que entristece até o mais duro
dos corações. Chorei e dormi.
... ... ...
- Mas que demora! Por onde você andava? – foi a primeira
coisa que ouvi.
Nem consegui responder ou mesmo entender quem me perguntava.
Logo uma segunda voz me dizia: - Você está atrasadíssimo! E uma terceira
completou: - Agora preste muita atenção em tudo, se não você não vai entender nada.
E eu que já não entendia nada mesmo reconheci naquelas vozes
a minha própria voz e logo descobri que eram as minhas fantasias que estavam me
dando aquela bronca. Calei-me e observei.
Na minha frente qual fosse mágica uma enorme tela de cinema
se abriu. Dentro, campos verdes e floridos em um lindo dia de sol se mostravam
exuberantes. Havia vozes ao fundo. Havia pássaros. E havia também um doce
cheiro de jasmim espalhado no ar.
As vozes se aproximaram e pude me reconhecer. A meu lado uma
menina linda andava insegura. A menina dos sonhos tinha medo, eu podia sentir.
Não conseguia ver seu rosto, mas sentia seu calor e sua vida. Ela seguia quieta
e amedrontada e eu apenas caminhava a seu lado, de sorriso aberto, puxando
forte o ar tomado de jasmim e olhando cada uma e todas as flores do caminho.
Paramos no alto de um pequeno morro coberto e cercado de
verde com pitadas de cores por todos os lados. Sentamos no chão com as pernas
cruzadas, um de frente para o outro. Em silêncio. Ficamos assim por um tempo,
mas não consegui me controlar e logo tomei suas mãos com as minhas e perguntei:
- Do que você tem medo?
- De sofrer. Tenho medo de sofrer de amor.
- Sofrer de amor? Isso não existe!
- Claro que existe. Tantas vezes eu achei que tinha
encontrado meu amor verdadeiro e tantas vezes eu sofri por descobrir que estava
errada.
- É como eu disse. Você não sofreu de amor. Sofreu por não
ser amor.
E logo percebi que entraria em mais um jogo de palavras e de
sedução que me levaria ao mesmo lugar em que já estive tantas vezes e calei.
Ela me olhou e me pediu que explicasse. Disse que não. Eu não ficaria ali, no
meio do meu sonho, explicando a ela o que ela já sabia. Disse-lhe que o momento
era único e seria perdido se não o vivêssemos, mas que eu não poderia lhe impor
isso. A escolha dela teria que ser só dela.
Seu rosto mudou. Suas feições ganharam, no meio do meu
silêncio, outra vida. Eu podia ver que ela estava pensando. Podia entender que
a transformação estava acontecendo. E só me restava torcer.
- Você sente o cheiro no ar?
- Jasmim, minha flor preferida!
- Você percebe o canto dos passarinhos?
- Sim. É como música.
- Você vê a beleza indecente das flores?
- Que de tão simples ofuscam qualquer outra. – completei.
E olhando um para o outro, vimos nossos sorrisos crescerem
fortes. Nossas mãos já entrelaçadas faziam força para que nunca mais se
separassem. Nossos corpos quentes se juntavam em movimentos sutis de quem quer
apenas estar perto, sempre perto.
E, vendo tudo isso, torci por um beijo na imensa tela.
Suspirei porque os suspiros enchem a alma de emoções e esperei pela cena final.
De longe ouvi uma voz dizendo meu nome, repetindo meu nome, repetindo meu
nome... e acordei, antes do beijo, para que eu pudesse continuar sempre
sonhando e para não esquecer nunca mais onde moram minhas fantasias.