quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Apenas Começando


O poeta parou um dia para pensar na vida que escolhera para si. As aventuras e desventuras amorosas dos últimos tempos mexeram com ele. Se por um lado compreender o que acontecia lhe fazia bem e lhe dava segurança de estar indo pelo caminho certo, por outro estava cansado de repetir um padrão de comportamento que não lhe levava de fato a lugar algum.

Pela sua cabeça passaram as cenas do passado, próximo ou distante. Lembrou-se com do que lhe fez bem em cada menina: um sorriso, uma palavra, uma atitude, um carinho, um beijo, um sonho, uma noite... se deu conta de que teve um pouco de cada coisa que mais desejava em cada uma das meninas que passaram. Riu quando imaginou juntar todas elas para agradecer.

E enquanto pensava percebeu que a menina que ele chamou de menina de charme ganhava espaço em sua vida. Ocupava vazios de forma plena. Participava da sua vida de corpo inteiro, sem censuras, sem metades, sem mentiras. Os dois juntos compartilhavam tudo de forma intensa. Falavam de seus medos sem medo. Discutiam suas angústias sem angústia. Entregavam-se com uma entrega plena.

Ele já conhecia as brincadeiras do seu coração. Sabia bem que o amor projetado poderia ser do tamanho que quisesse, mas se não fosse amor de verdade seria apenas mais uma história, entre tantas. Nem por isso deixou de acreditar, de viver e de sentir.

À noite, juntos em um sofá, conversando e contando a vida e tudo o que ela já aprontou para os dois, ele se pegava olhando para ela. Não havia um sorriso igual ao outro. Não havia uma expressão igual a outra. Ele sempre se surpreendia. Via nela muito de muitas pessoas que lhe foram importantes e via mais: via uma mulher capaz de lhe equilibrar da forma que ele tanto queria ser equilibrado e ao mesmo tempo, uma mulher em busca de equilíbrio. Via-se pronto para tentar ajudar.

As coisas aconteciam no seu tempo, do seu jeito e ganhavam força. Os defeitos de ambos não passavam despercebidos, mas nenhum dos dois fazia deles a desculpa ideal para manter distância e evitar o amor. O sentimento bom era maior. A sensação gostosa de aconchego era mais importante. A atenção que um dava ao outro, todo o tempo, era oxigênio puro para os dois. E a história que começou narrada, pressentida e desejada ia ganhando contornos épicos.

Ele pensava: - desta vez é diferente. E lembrava-se das tantas outras vezes em que já havia pensado e dito o mesmo. E ria. Era mesmo diferente? Era mesmo diferente! Havia encaixe e compromisso em tudo o que faziam juntos. Havia uma vontade grande de fazer dar certo. Havia compreensão e apoio. Havia cumplicidade.

Uma noite ele disse: - Sempre que eu puder, vou tentar mostrar outras formas de resolver problemas que evitem conflitos e confrontos. Mas quando você estiver brigando suas brigas, mesmo que você esteja errada, vou estar do seu lado, apoiando e lutando sua luta.

A consciência da escolha madura de estar com ela implicava em todos os mesmos riscos que as escolhas infantis traziam. Não bastava querer dar certo, era fundamental viver cada minuto de forma dedicada. 

Os medos dele vieram à tona antes do momento que costumavam aparecer nas suas relações, mas dessa vez ele escolheu enfrentar. Ele sabia que os fantasmas poderiam estar por perto, mas aprendeu que eram só fantasmas – inofensivos, pequenos, tolos e vazios. Os sustos que as assombrações costumavam dar deram lugar ao riso largo de se descobrir maior ao lado dela.

Suas histórias serviam para lembrar o caminho que ele teve que seguir para chegar até aqui. Ele as guardaria com carinho e voltaria para reler caso houvesse motivo. Suas incompetências emocionais se provaram competentes quando vistas ao mesmo tempo, da mesma forma e de onde estava.

O poeta não deixaria de ser poeta, mas deixaria de escrever as curtas histórias de amor porque sabia que eram curtas e que não eram amor. E seguiria acreditando que dessa vez tudo seria realmente diferente.

Encerrado um ciclo na sua vida, sentia-se pronto para começar outro ainda maior, mais forte e mais importante. E não estaria mais sozinho no seu caminho.

A história do poeta está apenas começando.



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Galinha


A vontade de fazer certo muitas vezes me levou ao erro. É assim, a gente se empolga, fecha os olhos pra tudo o que não quer ver e se apega a tudo o que interessa a nossa própria alma. Uma pessoa pode parecer a pessoa certa pro resto da vida e não durar num relacionamento nem um mês. Acontece.

Hoje, ando bem feliz, entregue a uma relação que me faz bem. Não sou cego aos defeitos, mas não faço deles um problema insolúvel. Não acredito em pessoas perfeitas, além do que elas devem ser muito chatas. Mas nem sempre foi assim e, honestamente, hoje ando preferindo falar do passado incompetente que me trouxe até o blog.

Uma vez cheguei tarde ao Real Astória, meu lugar preferido durante os meus anos preferidos. Já tinha um grupo lá, numa mesa grande e a bagunça corria solta. Na mesa, uma linda mulher me chamou a atenção. Ela era linda, delicada, traços finos e um jeito de menina. Não demorei a perguntar quem era e a descobrir que era amiga da amiga da amiga.

Eu estava do lado de fora, perto da mesa e não conseguia tirar os olhos da paixão daquela noite. Era hipnótico. Conversava com um e com outro, mas sempre em uma posição de onde eu pudesse vê-la. Três chopps depois eu não aguentei. Pulei a mureta baixa que separava a calçada da varanda e fui sentar ao lado da moça. Apresentei-me, descobri seu nome e segui a conversa.

A menina não era tão menina assim. Tinha feito suas escolhas. Era engenheira química e já tinha chegado a uma posição bacana para a sua idade. Quanto mais eu ouvia, mais eu gostava. Fiquei completamente cego de paixão. Rabisquei versos de guardanapo. Sorri meu melhor sorriso. Elogiei. Mostrei a lua e logo o clima estava pronto para transformar aquele encontro em uma coisa especial.

No meio da nossa conversa ela me disse que morava longe, muito longe. Em Vila da Penha, um bairro do subúrbio carioca que eu não conhecia. Não me importei em nada, nunca tive preconceitos ou julguei ninguém por onde mora ou pelo que veste. Achei ainda mais curioso e isso não impediu que a paixão crescesse. Umas duas ou três horas depois eu já estava entregue. Se me perguntassem o que eu sentia poderia descrever a paixão em detalhes, mas ninguém perguntou e eu não perderia tempo com isso.

Logo, o clima transformou-se em um beijo apaixonado e eu flutuei nos ares boêmios do Real Astória. A paixão havia nascido e eu estava pronto para vivê-la. Ficamos juntos, abraçados, acarinhados, felizes e sorridentes até o final da noite quando me dispus a levá-la para a casa da amiga onde ela dormiria aquela noite. Beijos e mais beijos selaram aquele encontro.

Marcamos um novo encontro. Eu a pegaria em sua casa, na Vila da Penha. Ela me deu as indicações e eu rezei para não me perder muito. Não havia celular naquela época. Errar seria perder o encontro e possivelmente a menina. Concentrado, fui seguindo o passo-a-passo que ela havia ditado. Depois de muito andar cheguei, finalmente. Tivemos uma noite linda, éramos parecidos em muitas coisas e não foi difícil perceber isso. Mas éramos diametralmente (adoro essa palavra) opostos em outras tantas. Mas a noite foi ótima, com gostinho de quero mais.

Um ou dois dias depois fui encontrá-la em um happy-hour com seus amigos na Urca. Foi tudo ótimo. Na saída seguinte ela me deu de presente o livro do Richard Bach, Longe é um Lugar que não Existe. Eu ri e muito. Não havia preconceitos. Mas havia sim uma imensa distância de vida, de expectativas e de valores que nos separavam conforme falávamos. E já nesse encontro o que parecia tão certo começou a parecer bem errado. E o namoro não foi muito além.

Por conta de ímpetos e situações assim, meus amigos preferiam me classificar como um sedutor, um galinha, etc. Sempre detestei esses títulos. Acho que um galinha é o cara que fica por ficar, que beija por beijar que transa por transar. Nunca fui isso, nunca quis isso. Mas a imagem dos outros sobre nós mesmos é feita de percepções e não de realidade.

Durante muito tempo lutei contra essa pecha. Conversava, falava, explicava, fazia de tudo para mudar o que os outros pensassem sobre mim. Nada adiantou. Aí pensei comigo: - Pra que tentar mudar o que os outros pensam? Pra que tentar mudar o que sou se eu gosto de ser como sou? E desisti disso. Quer me chamar de galinha? Chama! Quer duvidar das minhas escolhas? Duvide! Quer me julgar? Julgue!

O fato é que sou amigo de (quase) todas as mulheres que passaram na minha vida e nunca me furtei de viver e de sentir as coisas que vivi e que senti. A intensidade faz parte de mim. Não fosse ela não estaria com o sorriso aberto nos lábios hoje, mas isso é outra história e não é para esse blog.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Lua Azul


O combinado era sair antes das cinco da manhã. Os cavalos já estariam prontos. O ponto alto do passeio seria assistir o nascer do sol do alto de um morro lindo de onde se pode ver todo o horizonte de todos os lados. Ele nunca precisou do despertador que ela ligou para as 4h30 e abriu os olhos às 4h25. Ela ainda dormia a seu lado. Ele preferiu ficar em silêncio e olhar, apenas olhar para ela dormindo serena.

Foi com um abraço leve que ele trouxe ela de volta do mundo dos sonhos sonhados para o mundo dos sonhos vividos. Ela acordou sorrindo, devagar, mansa e com a felicidade tomando conta do seu corpo. Um beijo com gosto de bom dia. Uma olhada no relógio. A pressa de não perder o espetáculo da natureza. Os dois correram juntos para um banho rápido e evitaram se tocar para não perderem a hora.

Calçaram as botas – ela tinha uma coleção – vestiram os jeans surrados, e as camisas separadas na véspera e bateram a porta com os chapéus na cabeça. Os barulhos da mata ainda eram os barulhos da noite. Andaram um pouco e logo encontraram Seu Chico e os cavalos já arreados e prontos para o passeio. Ele montaria um cavalo preto, grande e valente. Ela, a sua égua preferida. Os dois acarinharam os animais antes de montar. Cada um do seu jeito, os dois davam para os bichos um pouco de conforto e falavam palavras de carinho. Os cavalos pareciam entender, pareciam sorrir, pareciam felizes.

Montados, seguiram pela trilha que os levaria ao topo do morro. Estava escuro ainda e os barulhos das matas chamavam a atenção dos dois. Tinham sempre muito a falar, um para o outro, mas naquele dia preferiam seguir em silêncio, apaixonados pelo dia que nem havia nascido ainda.

Depois de meia hora, chegaram ao destino. Desceram e deixaram os cavalos soltos perto de um riacho e seguiram a pé. Ele a abraçou com carinho. Gostava de senti-la embaixo do seu braço, encaixada. Ela a olhou com carinho, beijou seu rosto e repetiu: delícia! E seguiram por mais uns 50 ou 100 metros até o topo do morro.

Ele havia levado uma manta. Ela gostava disso. Sentaram juntos em uma pedra e ele a cobriu com a manta. No céu, a lua cheia iluminava o fim da noite que traria em minutos novas cores, novos ares, novos sons e encheria os dois de sentimentos e sensações únicos. Era a segunda lua cheia do mês.

- Você sabia que essa é uma “lua azul”? uma blue moon? Ela não sabia e ele explicou: - A segunda lua cheia dentro de um mesmo mês é chamada de blue moon. Os antigos acreditavam ser um sinal de boa sorte.

Ela olhou novamente para o céu e enxergou a lua de um jeito diferente. Ela gostava quando ele se exibia falando coisas que ela não sabia. Ele gostava de dividir com ela as coisas diferentes que aprendeu com o pai e com os livros de toda uma vida.

O céu, em breve começaria a mudar de cor. O sol já vinha. E os dois olhavam fixo para o horizonte. O momento era mágico. E, do nada, uma linda menininha loira apareceu na frente deles sorrindo e tampando a visão. Eles ficaram confusos.

- Bom dia – disse a menina.
- Bom dia – responderam – quem é você? O que está fazendo aqui tão cedo?
- Só vim dar bom dia e agradecer.
- Agradecer? Não entendi – disse ele.
- É que vocês tem um amor tão raro que transborda os limites de vocês dois. Eu mesma estava dormindo quando senti um sopro de felicidade entrando pela janela e acordei. Sai do meio do meu sonho sorrindo e vim ver vocês.
- Nossa, que coisa estranha – disse ela.
- Não é não. Sempre tenho uns sonhos cheios de vida. Tudo acontece neles. E hoje sonhei com vocês dois. Por isso vem dar bom dia!
- E com o que você sonhou?
- Sonhei que vocês dois se conheciam e que se apaixonavam rápido demais. Em menos de uma semana vocês já tinham uma relação que muita gente demora anos para conseguir. Era tudo muito intenso, muito forte. Não era um sentimento comum, era especial. Iluminava o ambiente e as pessoas que ficassem perto de vocês. Sonhei que vocês se entregavam de corpo e de alma um para o outro sem nenhum medo de serem felizes. E sonhei que isso incomodava um monte de gente e, que mesmo assim, vocês seguiam se amando.
- Foi mesmo assim que tudo começou entre a gente.
- E depois? Quis saber ela.
- Depois, vocês buscavam um no outro um ponto de equilíbrio. As brigas que cada um de vocês tinha antes com o mundo haviam perdido a razão de ser. Juntos vocês eram imensos. Eram tomados pelo bom senso e encontravam sempre a melhor forma de lidar com os problemas.
- Muito bom... mas, e ai? Vivemos felizes para sempre?  Que nem conto de fadas?
- Não... nada é que nem conto de fadas. Vocês tiveram suas brigas. Tolas, é verdade, mas tiveram. Foi com elas que vocês descobriram que precisavam um do outro como a noite precisa do dia, como a lua precisa do sol. A vontade de estarem sempre juntos sempre foi maior do que qualquer briga. Mas, no final do meu sonho vocês dois acordavam juntos e iam viver um momento único, mas não sabiam disso. Por isso vim.
- Menina, você tem muitos mistérios. Explica melhor...
- Vocês vieram se beijar no nascer do sol no dia da lua azul. Esse único beijo, nesse momento único é mágico. Com ele vocês selam um amor ainda maior do que o amor que já sentem um pelo outro. E desse amor só vem coisas boas. Com ele vocês podem tudo. Esse amor vai iluminar os olhos dos seus filhos, o bem querer de seus amigos, o bem estar dos seus pais, a cumplicidade dos seus irmãos e vai fazer de vocês um casal raro com um sentimento eterno...
- Como um casamento? Perguntaram juntos
- Não. Casamentos são diferentes e às vezes meio chatos. Como mágica mesmo. Esse amor junta o que nasceu para estar junto. E mesmo que um dia vocês decidam não estarem um do lado do outro, ainda assim vão estar juntos. O carinho desse beijo não se encerra num sorriso, num momento. Esse carinho é pra sempre.
E os dois olharam para o céu por um instante. A lua azul brilhava forte e os primeiros raios de sol despontavam. Olharam novamente para o lugar onde estava a menina, mas ela havia sumido.

Olharam um para o outro e beijaram-se apaixonadamente.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sonhe Acordado!



O sorriso encanta
O olhar fascina
Ouço mais dos seus olhos
Do que da sua boca.

O jeito seduz
As formas perfeitas mexem

E sigo olhando e querendo
Conhecer e descobrir
Viver e construir
Sonhar.

Fico por perto querendo mais
Mas não vou jogar
Vou oferecer meu amor
Mas não vou entregar
O amor que tenho em mim
Não é meu e não é seu
O amor que tenho em mim
É usado.

Quero falar de um amor novo
Quero falar de um amor nosso


Das delícias e das dores de amar demais que o Poeta logo conheceu ficaram a certeza de que o melhor ainda estava por vir. Ele havia construído castelos, mas a onda levou. Ele havia desenhado em guache, mas o papel molhou. Ele havia escrito lindas histórias de amor que não foram lidas nem vividas.

Cansado, o Poeta desejou ir além.

Sua natureza de menino e de poeta fazia dos seus sonhos horizontes. Lindos. Desenhados com contornos. Emoldurados com cores. Perfumados.

Mas o sonho só existe quando é lembrado e para lembrar é preciso acordar. Viver de sonhos consome. Há uma eterna e inútil busca nos poetas que vivem deles.

O Poeta não queria mais viver assim e tampouco deixar de ser poeta. E confuso com o tanto que sentia e com o tanto que queria sentir, o poeta adormeceu e sonhou novamente.

- Você demorou. Achei que não vinha mais!
- Desculpe, mas nos conhecemos?
- Muito... venha... E puxou o poeta pela mão por um campo de um verde intenso pontuado com flores de todas as cores. Montanhas com contornos de mulher serviam de pano de fundo para aquela paisagem. E o Poeta, encantado, seguia sem saber para onde ia.

- Quer dizer que você não quer mais viver isso tudo?
- Você fala do sonho?
- Sim... de sonhos como esse que trazem você para os lugares mais lindos e que oferecem as pessoas mais especiais e que lhe trazem sensações e sentimentos únicos.
- Mas nada disso existe de verdade. Os lugares são lindos porque é a minha imaginação que os cria. As pessoas são especiais porque fui eu quem as escolheu e resolvi fazê-las personagens. Os sentimentos e sensações são frutos do que eu gostaria de viver, mas são só meus.
- E se não for?
- Como assim? Não entendo!
- Se eu lhe disser que todas as pessoas do mundo sonham. Se eu lhe contar que os sonhos de todas as pessoas se encontram. Se eu lhe mostrar que os lugares lindos que você acha que criou foram na verdade criados por muitos que, como você, escolheram os campos de verde intenso pontuados com flores de todas as cores. Se lhe disser que as pessoas especiais só são especiais porque sonham também e porque fizeram de você uma personagem dos sonhos delas. Se com isso tudo você mesmo concluir que os sentimentos e sensações só existem por serem compartilhados...
- Você está tentando me dizer que tudo isso aqui é real?
- Estou apenas mostrando. Os sonhos vão existir sempre. Sua escolha não é parar de sonhar porque você não poderia evitar os sonhos. A escolha que o aflige é parar de lembrar, de acreditar. E pra que?
- Para encontrar uma pessoa que não evapore nos primeiros erros. Para conseguir me entregar inteiro. Para me preparar para receber a mulher que quero por inteiro também: com qualidades e defeitos, com erros e acertos, com generosidades e egoísmos, com coragem e com medos. Para que eu não faça das pessoas fantasias.
- Mas o caminho não é esse...
- Então me diga: por onde sigo? Qual o caminho?
E ele riu do poeta, menino. E disse apenas:
- Sonhe acordado!

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Escravo da Alegria


Detesto as cantadas fáceis. Detesto o pouco caso que se dá aos sentimentos mais importantes que podemos ter. Como é possível reduzir tudo à comodidade? Pra que diminuir a importância dos outros na nossa vida? Acho que as pessoas não percebem mais o ridículo de estar com alguém por estar.

Não sou assim, não quero ser.

Conheci alguém especial. A Menina de Charme.

Eu podia ter entrado em mais uma viagem solitária. Sou capaz de criar lindas fantasias de amor, mas o destino delas é sempre o mesmo destino dos castelos de areia construídos na minha infância. De uma hora para a outra a maré muda, as ondas chegam, o castelo tomba e tudo volta a ser nada.

Aí, a Menina de Charme chegou. Olhei para ela duvidando que ela fosse realmente tudo aquilo que eu estava vendo. Seria possível: juntar tudo, ou quase tudo, o que eu mais gosto em uma pessoa só!?! Por um tempo achei que era mais uma historinha, mais uma ilusão, uma mentira que eu mesmo estava criando só para ter depois do que reclamar, do que me frustrar.

Mas ela foi chegando e eu fui chegando também. E conversamos. E falamos. E ouvimos. E sorrimos. E beijamos. E...

E quando eu me dei conta, estava com ela ao meu lado. Conversando mais, falando mais, ouvindo mais, sorrindo mais, beijando mais e tudo mais.

Posso até estar me enganando de novo. Não será a primeira vez, mas como é bom sentir isso tudo nascendo devagar, sem pressa, com vontade.

Não sou carnavalesco. Não vivo de fantasias. O que não quer dizer que eu não ame o carnaval ou que eu não curta minhas fantasias... pelo contrário. O que eu não posso nem me permito mais é viver exclusivamente de fantasias. Não quero isso pra mim e não quero ser isso para as pessoas. Se o que estou sentindo agora for só uma fantasia, então é para ser hors concours em qualquer desfile ou concurso.

Dizia o velho poetinha... “Se o amor é fantasia eu me encontro ultimamente em pleno carnaval.”




quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Pipa


(um texto guardado com carinho)

- Tô aqui pensando no amor.
- Amor? Mas que bobagem. Você sempre se perde pensando nisso e eu já cansei de dizer que amor é bobagem.

Foi assim que começou a conversa entre o poeta e um amigo querido. Os dois cresceram juntos, sonharam juntos, descobriram muitas das melhores coisas do mundo juntos. Mas o poeta escolheu ser poeta e o amigo escolheu ser rico. E a distância entre esses dois mundos era muito grande.

O poeta morava em outra cidade e seu amigo morava no centro financeiro do país. Não bastou para ele uma boa faculdade, ele fez duas e logo se empregou em um grande banco que lhe abriu as portas para o mundo do dinheiro, dos bônus, das viagens internacionais e de tudo aquilo que pudesse ser ostentado. O poeta seguiu seu rumo sem pressa de chegar, porque sabia que não havia mesmo aonde chegar. No seu caminho encontrou flores e sorriu, encontrou amigos e curtiu, recebeu convites para programas que ele nem sabia que existiam e se divertiu como ninguém.

A vida de um era toda focada na competição. Quem tem mais? Quem pode mais? Quem fala mais grosso? E por aí vai. A do outro, focada na realização de sonhos e fantasias que ele percebia possíveis com muito mais facilidade do que os outros.

Naquele dia o poeta queria falar de amor e puxou a conversa. Seu amigo tão querido, no entanto, não conseguia mais ouvir aquela palavra sem se incomodar. Pra que pensar em amor? dizia ele. Amor é uma parte da infância que ficou lá atrás quando paramos de frequentar os parques de diversão, as colônias de férias e aquelas reuniões sem sentido na beira da praia para ver o sol se por. Amor é muito bom quando você não sabe o que quer, ocupa a mente. Mas hoje em dia, francamente, falar de amor como se ele fosse possível não é sinal de inteligência... E o seu longo discurso parecia não ter fim. Argumento após argumento, o amigo tentava convencer o poeta de que amor não existe.

E o poeta que queria falar do seu momento começou a ficar muito preocupado com o amigo. Você tem mulher e filhos. Não sente amor por eles? E ele dizia que sim, mas que esse amor era carregado de orgulho porque a filha mais velha já falava três idiomas e o filho mais novo era o maior da classe, ainda que no maternal. E a mulher? A mulher era a companhia perfeita para os eventos sociais que aconteciam quase toda noite. Sabe se vestir como ninguém, tem uma pele ótima, fala sobre diversos assuntos e sempre se comporta de forma muito atenciosa. Sim, o amor do amigo era permeado por valores que nada tinham a ver com o amor a que o poeta se referia.

E quanto mais o amigo falava, mais preocupado o poeta ficava. E preferia ficar em silêncio ouvindo aquilo tudo sem emitir opinião, sem questionar, sem duvidar. O amigo parecia muito seguro das suas escolhas e o poeta sabia o quanto elas os distanciavam e, por isso mesmo, preferia evitar o confronto. Até o momento em que o amigo perguntou: - Mas você ia falar sobre o amor. Está apaixonado de novo? Encontrou alguma mulherzinha nova?

Mulherzinha???? Como assim? Aí foi demais, até mesmo para o poeta.

- Não amigo, não estou apaixonado por ninguém. Estava pensando no amor do qual sou feito, das pessoas que passaram na minha vida e me deixaram marcas tão profundas que me transformaram por inteiro. Hoje sou um pouco de Bia, um tanto de Claudia, muito de Ursula, outro tanto de Cristiana, um bocado de Monica e por aí vai. Cada pessoa que me amou e que eu amei na vida deixou uma marca em mim e hoje fazem parte de quem eu sou. Acho que só é possível ser poeta assim, juntando pedaços de sonhos e misturando eles com um retalho de uma lembrança e depois botando de molho nas risadas e momentos que já vivi. Me sinto, e a cada dia mais, feito de amor. Esse mesmo em que você não acredita.

- Pois eu me sinto sólido, tranquilo. Tenho tudo o que sonhei ter na vida. Tenho dinheiro, tenho casa. Tenho conta no exterior. Tenho o carro que sempre quis ter. Se você é feito de amor, então eu sou feito de que?

- Você também é feito de amor meu amigo. Só que está todo coberto de espelhos que só refletem os outros e que só servem para trocar por comida com os índios.

- Que conversa maluca é essa. Então você acha que tudo o que consegui não vale nada?

- Se você não souber usar o “tudo o que você conseguiu” não, isso não vai servir pra nada. Acho que com o dinheiro e as coisas que você tem hoje você já poderia ter a sua fazenda tão sonhada, lembra? Aquela que teria uma mangueira enorme para você subir e comer a fruta no pé junto com seus filhos. Você também podia ter outro cavalo com uma marca branca na cara como teve na infância e podia ensinar seus filhos a andar a cavalo no mato e não em um clube de campo. Você podia comprar um presente bem bonito para aquela menina que te olhava de um jeito que deixava você sem jeito. E também podia comprar papel de seda e ensinar seus filhos a fazerem pipa como a gente fazia na infância. Mas se você não faz nada disso... esse tanto de coisas que você conseguiu não serve pra nada mesmo, serve?

E o amigo, ao invés de se aborrecer, lembrou-se do tempo em que andava a cavalo na fazenda da infância e das pipas que fez junto com os moleques da rua e dos pegas de bicicleta e das brincadeiras de esconde-esconde e tantas outras coisas que já tinham morrido na sua memória. Deu um suspiro e, com um tom superior de quem tem pena do outro, disse: - Você é incorrigível, me fez lembrar de um monte de coisa que já morreu e que não me importa mais. E riu como riem os tolos e aproveitou a deixa para dizer: - Nossa, já estou atrasado. A conversa está ótima, mas preciso ir. E assim se despede, sai de cena deixando a conta paga e segue cheio de promissórias vencidas na lembrança.

Entrou no carro com uma lágrima escorrendo no rosto e foi para casa ao invés de ir ao escritório. E chegou com seus filhos ainda acordados e ganhou uma festa grande como nunca imaginou que era possível. Sua mulher estranhou e perguntou se estava tudo bem. E ele disse que sim e olhou fundo nos olhos dela e perguntou: - Já te disse que te amo hoje? E ela sorriu. E ele ficou brincando com os filhos até que eles fossem dormir e convidou a mulher para jantarem juntos e sozinhos num restaurante novo e aconchegante que ele havia ouvido falar. E no jantar sorriram e se beijaram e com a luz das velas juraram amor um ao outro e começaram a fazer planos para um futuro próximo e ele sentiu o coração pulsar de novo.

Na volta para casa o porteiro apareceu com um embrulho leve e sem jeito e disse que um rapaz tinha deixado aquilo para ele. Quando abriu, em casa, encontrou papel de seda de várias cores, algumas varetas, linha de carretel e cola branca. Junto um bilhete que dizia:

- É só pra você lembrar como é bom voar, amigo querido.


terça-feira, 14 de agosto de 2012

Qualquer Coisa a Menos é Nada


Estavam ansiosos. Havia no ar uma sensação mágica. Os dois sabiam que o outro estava prestes a entrar nas suas vidas. Não sabiam quando. Não sabiam como. Mas sabiam que mexiam um com o outro de uma maneira rara.

Não tinham mais idade para acreditar em príncipes e princesas. Já haviam desistido de buscar as pessoas perfeitas, idealizadas nos sonhos de mocidade. Já haviam vivido amores e desamores. Mas não haviam vivido aquilo.

O primeiro cruzar de olhos foi o bastante para acender a vontade nos dois. Ele olhou seus olhos e viu uma mulher inteira, de verdade. Viu muito mais do que ela quis mostrar. Ela olhou seu sorriso e sorriu também. Foi nesse encontro que tudo começou.

Havia uma vida inteira para ser vivida ou para ser ignorada. Havia um amor pra ser sentido ou esquecido e muitas descobertas pra serem feitas ou abandonadas. Mesmo não acreditando mais em contos de fadas, os dois se viram dentro de um romance de amores impossíveis e confusões desnecessárias.

Nenhum dos dois abriu mão de ser exatamente quem eram. O primeiro encontro, não com surpresa, foi delicioso para os dois. Ele levou as flores que ela tanto gosta. Ela falou sobre as coisas da vida. Celebraram juntos a arte do encontro. Beberam sem exageros. Sentiram juntos o cheiro que seus corpos exalavam e se deixaram levar pelo bem que um fazia ao outro.

O Beijo

Há sempre a dúvida no primeiro beijo. As bocas precisam se encaixar. Os dentes não são convidados. O primeiro beijo começa manso. Os lábios precisam ser cultuados. A respiração precisa ser sentida. Os olhos precisam fechar devagar para que a viagem dos sentidos comece. Depois é a vez das mãos e dos corpos que precisam se encontrar, se entregar. O primeiro beijo é feito de descobertas, de gostos, de abraços, de carinhos. É ele quem avisa que o amor existe. É ele quem fica guardado na lembrança.

O Cheiro

Antes de qualquer perfume, existe um cheiro que é de cada um. É ele quem desperta no outro a vontade de estar perto. Ela tinha cheiro de madeira. Não de madeira seca, mas de madeira fresca, molhada de orvalho, viva. Nos primeiros abraços ele sentiu seu cheiro e quis continuar sentindo sempre. Seu cheiro o excitava, tinha gosto de quero mais. Fechava os olhos com os braços enlaçados nela e respirava fundo o ar dos seus sonhos. Era isso: ele conhecia aquele cheiro dos seus sonhos de menino.

A Renúncia

A vida aprontou novamente. Para estarem juntos deveria haver renuncia dos dois. Eles não sabiam que se encontrariam agora. Cada um havia feito o necessário para viverem felizes, de bem com a vida. O tanto que viveram antes pesava sobre o tanto que queriam viver depois.

Ele já não queria mais sonhar sonhos impossíveis. Não queria mais o drama. Não queria amores doidos ou doídos. Queria estar ao lado de quem estivesse ao seu lado também. Buscava a cumplicidade perdida. Queria construir um sentimento e cuidar dele todos os dias.

Ela queria a liberdade. Queria o equilíbrio dela mesmo e acreditava que já o havia encontrado. Sua vida estava do jeito que desejara. Tudo seguia seu rumo como planejado. Podia ser menina novamente. E podia ser também a mulher que sonhou ser porque experimentou todas as outras. Porque escolheu. Ela nem pensava mais na importância real de outra pessoa em sua vida.

Mas o cheiro e o beijo e toda a mágica de todos os minutos que tiveram juntos faziam complicadas as coisas mais simples. Ela precisava escolher. E escolhas são renúncias. Ele não queria pouco. Os dois estavam assustados.

O Desejo

O tempo corria. Os minutos se juntavam a outros minutos e faziam as horas parecerem segundos. Cada abraço colado provocava sensações novas. A imaginação ia longe. O desejo crescia. Ele sentia seu corpo encostar nas curvas do corpo dela. Apertava com vontade. Queria estar junto. Queria estar dentro. O prazer ganhava volúpia em beijos de cinema oferecidos em sessão aberta a quem passasse na rua. Nenhum dos dois queria se controlar. Nenhum dos dois queria terminar nenhum dos beijos.

E cada novo abraço trazia mais do que tesão. Trazia o desejo intenso de estarem juntos. E também nisso havia mágica. Se fosse apenas pelo sexo tudo não seria nem metade.

A Escolha

Estava pronto para renunciar ao que fosse menos do que o máximo que ele pudesse sentir. Não queria nem metades nem sobras. Queria viver. Acreditava na vida feita de momentos únicos, celebrados, intensos, inesquecíveis. Não acreditava em príncipes ou princesas, mas acreditava em fazer da sua vida a melhor vida que ele pudesse ter. Qualquer coisa a menos era nada.

Ela estava confusa. Tinha chegado onde queria ter chegado. Sabia que ele poderia lhe tirar da zona de conforto que construíra. Sabia que ele reescreveria com ela as próximas páginas da sua vida. Escolher estar com ele era renunciar aos planos traçados pelas marcas que a vida lhe deixara.

Boa Noite

Ele sabia que não podia escolher por ela. Podia sim, entrar na sua vida pelo beijo, pelo cheiro e pelo desejo. Podia ter lhe marcado com uma noite de amor e carinho, de tesão e entrega, de sonho sem sono. Mas ele sabia que se fosse menos não seria nada e por isso resolveu ir embora.

Despediram-se com beijos apaixonados. Com abraços desesperados. Com toques e carinhos exagerados. Queria deixar dentro dela a saudade que ele já sentia. Ela suspirou.

Despediram-se com um boa noite!

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Meus medos se divertem


Tua demora me consome.
Teu silêncio me devora.
O sol já brilha. É dia.

Talvez hoje, nasça a fantasia.

Sai dos sonhos, ganha forma.
Hoje, apenas o hoje me interessa.

Meu coração quer bater forte e solto.
Chega de bater escondido. Chega.

Meus medos se divertem.

Adolesço.


É ela. Deve ser ela. Acho que sim: é ela mesmo! E as confusões ganham a mente, enganam o coração. Vivo na expectativa de saber. É ela? É mesmo ela? Vejo na esquina, sei que está ali. Sei que pode ser ela, mas pode também não ser. Será?

Tantas vezes me enganei. Tantas vezes acreditei. Tantas outras duvidei. E agora? O que pensar? Como lidar com os sentimentos que ainda não sinto, mas que já me sentem? Como lidar com as horas que não passam?

Já não quero mais o sabor tolo e rápido da conquista barata.

Quero provar do creme de cogumelos que esquenta a noite, tomado em caneca, alternado com vinho, cheio de sorrisos e carinhos. Já não me basta o sonho. Não me bastam as fantasias rasas.

Tudo no mundo me faz acreditar que achei. Entre bilhões de pessoas uma. É a mesma sensação de estar prestes a ganhar na Mega Sena e ter que esperar o sorteio do último número.

Mas se o número não sair.. se o bilhete se perder... se a aposta for alta demais, então não olhe pra trás. Não quero ser visto bebendo por beber, sem buscar alegria ou companhia. Não quero metades nem sobras. Não quero piedade nem gentilezas. Vá simplesmente. Não vire. Não volte.

Malabarismos


A vida lhe propôs vários desafios. Tudo junto, ao mesmo tempo, agora!


O Equilíbrio

Nada podia acontecer enquanto ela não alcançasse seu próprio equilíbrio. Um desafio e tanto. A vida havia lhe maltratado, como faz com todo mundo em algum momento e ela lutou com todas as suas forças pra superar todas as dores, uma de cada vez. Tornou-se uma sobrevivente. Teve que manter, ao mesmo tempo, todos os pratos girando no ar, sem deixar nenhum cair. Não foi fácil. Ainda não era.

Acordar de manhã pensando no dia cheio que vinha pela frente nunca deixa muito tempo para acordar como ela gosta. Espreguiçar-se, ficar mole na cama sentindo o dia nascer, pensar em tudo o que sente, dar bom dia – ainda que só em pensamento – pra quem lhe é importante. Tudo isso tinha que esperar novos dias. Tempos novos.

Desde que sua vida tomou o rumo que tomou as coisas ganharam outra velocidade. Acordar era sinal de compromisso. Estava sempre atrasada. Não tinha tempo para nada.

O insuportável barulho do despertador era um sinal para que, automaticamente, ela se levantasse, fosse até o quarto da filha avisar que já estava na hora e seguisse rumo a cozinha para fazer um café e misturar um leite com chocolate para a filha. Voltava com o leite para constatar que a filha ainda dormia. Nova chamada, desta vez com o copo na mão que era entregue com os conselhos de mãe – cuidado, não derrube, acorda filhota. O café de cafeteira revelava sua preguiça. Caneca cheia. No quarto a televisão precisava ser ligada para lhe fazer companhia. Levantou filhota? Banho. Tô quase pronta e você? Roupa. Filha, anda, olha a hora. Vamos!

Depois, carro até o colégio e de volta para casa. Tenho que descongelar o frango. Deixar os recados de sempre para a empregada. Pensar nas reuniões do dia. Lembrar de trocar a lâmpada. Pagar o lavador do carro. Sair correndo. Chegar no escritório. Ligar o computador. Pagar as contas Ouvir a lenga-lenga dos funcionários Telefonar. Atender telefonemas. Verificar o estoque. Falar com os fornecedores. Aceitar o convite de um almoço. Recusar o de um jantar. Tomar fôlego. Tomar café. Tomar água. Tomar uma atitude... era isso o que ela se dizia o tempo todo: - Preciso tomar uma atitude.

Nessa hora vinham os sonhos que ela não teve durante a noite. Morar em Nova York. Representar artistas brasileiros. Conhecer as galerias. Respirar cultura. Andar pelas ruas, fascinada com a cidade que pulsa. Não ter hora pra nada. Sorrir de tudo, todo o tempo.

E a realidade voltava sempre em forma de uma pergunta desnecessária ou do toque de um telefone. E a vida a levava sem que disso ela tirasse nenhum proveito.

O dia acabava com ela cansada. Exausta. Hora do sofá, para onde ela ia de camiseta e calcinha e com o cabelo despenteado. Era como a hora do recreio que embalaria seu fim de dia, diminuindo a velocidade das demandas. Buscava recarregar sua bateria de forças para começar tudo de novo no dia seguinte. Não tinha disposição para pensar em como mudar, mas sabia que precisava tomar uma atitude.

- A vida tá escondendo de mim os meus melhores anos, meus melhores momentos, o melhor de mim. Era o que pensava enquanto deixava o cansaço se transformar em sono...


As Dúvidas


A semana corre. Os dias se repetem. Nem os sábados escapam.

Surgem os convites para os programas mais diversos. Um amigo fala de uma degustação de vinhos. Uma amiga avisa que as “meninas” vão se encontrar no sábado. O namorado não sabe se vai ou não viajar. A filha pede pra que ela leve e busque numa social na Barra. O pai pergunta se ela esqueceu que tem pai. E ela pensa que precisa comprar lâmpadas e dar um jeito na torneira que não para de pingar há mais de um mês.

Ela se promete sair, ver gente, conhecer pessoas. Ficar em casa é bom para descansar durante a semana, mas ela sabe que precisa ver a vida para se sentir viva. Aceita os convites que parecem mais divertidos e os que ela pode ir a pé ou de scooter. Acredita que andar a pé lhe mostra a vida ao vivo. Pessoas que passam apressadas, rostos intrigados, casais abraçados, crianças teimosas e desobedientes, velhos que caminham sorrindo... Tudo preenche a vida dela de outras perspectivas e a convence de que ela pode ser o que quiser, basta escolher.

Mas não existem escolhas sem renúncias – ela mesmo postou isso no seu mural do Facebook.

- Preciso parar de fumar.

E acende um cigarro quando para e senta-se para tomar um chopp, sozinha, longe dos convites e perto da vida que acontece bem a sua frente. Tanta gente que passa e o mesmo sentimento de solidão. Olha para tudo e para todos, mas não repara em nada nem ninguém. Na sua cabeça passam cenas de um passado que a trouxe até aqui. Das escolhas que não fez. Das alegrias dos outros que a fizeram sorrir e acreditar que essas alegrias também eram dela. Era hora de mudanças. Ela sabia.

- Preciso de um cigarro.

E paga a conta e volta passa a passo a caminhar pelas ruas do Leblon. Espera o sinal abrir. Pensa em atravessar com ele fechado. Desiste. Escolhe encontrar as meninas, toma seu rumo em passos rápidos. A filha liga. Ela não havia esquecido a festa. Não, ela não podia usar aquele vestido. Desliga e ri. A filha preenche todos seus vazios. Emprestaria o vestido na segunda ligação.

No caminho, uma esquina do Leblon se mostra mágica. De um lado vários baldes repletos de flores. Flores do campo, lírios, palmas, gérberas e rosas. Pensa em comprar as flores do campo e logo se lembra que não estava indo para casa. Do outro lado um rapaz toca lindamente seu violino enchendo a rua de cores e sons. A música toma conta do caos e tira até mesmo um sorriso do guarda sisudo que apenas assiste a cena. Mas o que mais a surpreende é um realejo parado em frente a uma banca de jornal. A manivela faz a caixa de música repetir a mesma melodia dos seus tempos de infância e enche seu peito de saudades de quem ela já foi. Na gaiola aberta o louro impaciente espera pelo próximo cliente, pela gaveta da sorte aberta, pela recompensa de puxar um papel e depois selar o canto obedecendo seu dono.

- Moço, tire a sorte para mim!
- Quem tira a sorte não sou eu é o louro. Vamos louro, tire a sorte para a moça. Escolha uma sorte bem bonita... vamos louro...

E o papel fica dobrado na mão dela enquanto ela paga e agradece. Dentro, descobre caminhando e lendo, ao invés de uma frase feita, uma citação de Anais Nin: 

“Não vemos as coisas como elas são. Vemos como nós somos.”

- Preciso parar de fumar.

E acende o cigarro e segue até outro bar do Leblon onde as meninas vão repetir as histórias de sempre. Onde ela vai repetir a caipirinha de sempre. Onde o dia vai passar, como sempre, até que ela escolha mudar.

- Preciso de um cigarro.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Gêmeas


As duas irmãs nasceram no mesmo dia, da mesma mãe, do mesmo pai. Eram idênticas na aparência, na beleza, na educação. Eram duas, mas eram uma. Unidas na forma de ver o mundo, escolheram crescer juntas e compartilhar as dúvidas, as experiências, os sonhos e os pesadelos. Acreditavam que se permanecessem unidas poderiam aprender mais rápido sobre todas as coisas da vida, fossem elas boas ou ruins.

Fizeram, ainda meninas, um pacto. Não se encontrariam na noite e nem nos finais de semana. Onde uma estivesse a outra não apareceria. O fato de serem gêmeas e idênticas seria guardado para poucos. A condição era que uma contasse à outra tudo o que tivesse acontecido. E enquanto moraram juntas as noites só acabavam depois de uma longa sessão de confissões. Eram irmãs de verdade. Espelhavam uma na outra boa parte da vida que construíam.

O tempo passou...

Uma casou-se, teve filho, separou-se, casou-se novamente, teve filha, separou-se e seguiu. A outra viajou para longe, foi viver a vida em outro país. Conheceu e amou pessoas diferentes, experimentou, casou, teve filhos, separou-se, chorou, riu, bebeu, amou. E mesmo com o tempo e com a distância as duas permaneceram unidas. Falavam-se todos os dias pela internet e mantinham o hábito de contar tudo o que acontecera no dia, uma para a outra.

O poeta nunca soube disso.

Ele conheceu a menina com charme em um bar. Olhou com ternura e com a curiosidade que lhe fez poeta, mas ela não estava só. Havia um namorado. Resignado, o poeta não fez das suas. Evitou agir como poeta, negou-se o prazer de desenhar em atos o sentimento que lhe tomou e não se entregou para a menina com charme que lhe pareceu tão longe. Tornaram-se conhecidos e esbarravam-se vez por outra nas ruas, padarias e bares da cidade.

Um dia o poeta e a menina se encontraram no mundo virtual. Ela havia lido um pouco do tanto que ele escreve. Conversaram. Sorriram. Trocaram palavras inocentes e gostosas como jujuba. Mas ele não se permitiu acreditar e, em uma brincadeira no bate-papo perguntou se ela não teria por acaso uma irmã gêmea. Que fosse idêntica. Que fosse solteira. Ela riu e disfarçou a verdade. Ele riu e disfarçou a mentira.

As conversas continuaram. Ele não resistia à vontade de conhecê-la melhor e de entender a vida que a fez do jeito que a fez. Os dois amavam as músicas e se divertiam trocando letras e melodias. Mandavam recados velados e sorriam.

Pouco tempo passou...

- Estou voltando para o Brasil! Anunciou a irmã que morava longe.
- Quando? Perguntou a irmã de perto.

E foram horas online. A chegada seria breve. A mudança estava pronta. A saudade era imensa. O mundo mudara muito e ficar no Brasil parecia o melhor a fazer. As irmãs vibravam e comemoravam a nova fase de vida que começaria. A conversa não tinha fim, não tinha meio, não tinha nada. E na falta de rumo das palavras ela confessou:

- Preciso te apresentar uma pessoa.
- Não!!! Não quero conhecer ninguém agora. Estou cansada de me frustrar com os jogos vazios dos caras que só querem me exibir. Não tenho mais paciência para lidar com a insegurança, medo e infantilidade dos homens de hoje.
- Mas esse é diferente!
- Todos são diferentes. Acho que é isso o que me cansa. Se eu pudesse ter um pouco de cada um em um homem só, acho que seria mais feliz.
- Vem logo para o Brasil... enquanto isso vou mandar para você umas histórias, crônicas de todo dia... e vamos conversando com calma.

Ainda faltava um mês para ela chegar e todos os dias a irmã mandava um texto novo, uma foto, um comentário. A irmã de longe recebia incrédula. No início nem se interessava. Depois foi tomada pela curiosidade e começou a ler.

Dois dias antes da viagem a irmã de longe se viu curiosa com aquela situação e numa nova conversa disse:

- Esse cara parece mesmo diferente. Tenho gostado de ler o que ele escreve. Acho que ele é sincero demais, mas é envolvente. Escreve bem. Descreve bem. Acho que vou mesmo querer conhecê-lo quando chegar.
- Precisamos conversar sobre isso...
- Desistiu de me apresentar?
- Não. Sim. Quer dizer.... Acho que você não entendeu.
- O que?
- Saio com uma pessoa desde junho do ano passado, você sabe. Ele é ótimo, um cara bacana, carinhoso, companheiro, cúmplice, etc... mas esse cara mexeu comigo...

E a irmã riu e lembrou-se de todas as histórias de vida que as duas tiveram juntas. Ao invés de procurar problemas, rapidamente ofereceu a solução:

- Então me apresenta seu namorado e vá ser feliz!

E o poeta nunca soube dessa história.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Motivo pra Sonhar


Um sábado de sol. Ele como sempre lamentando não ter ido para Búzios, a cidade que ele tanto gostava e que era sinônimo de praia para quem não tinha paciência para os vendedores de mate e sanduíches naturais. Praia no Rio era uma tortura para ele a menos que fosse para sentar no quiosque do português, no calçadão em frente à Rua João Lira e curtir uns bons salgadinhos e umas lindas caipirinhas. Mas esse não era o programa daquele dia.

Tomou, junto com sua melhor amiga o rumo de um de seus botequins favoritos. Logo estavam sentados na parte de fora do Chico & Alaíde. Lá, o antigo garçom do Bracarense o reconhecia sempre e lhe dava atenção e agrados que faziam seu lado leonino vibrar. Nada melhor do que não precisar pedir mais pressão no chopp. Nada melhor do que contar com garçons atentos e dedicados. Nada melhor... nem a praia.

Conversavam sobre as amenidades de sempre. As questões dela com o namoro que nunca dava certo e as lembranças dele do amor que morreu sem razão de ser. Falavam e bebiam e sorriam. De vez em quando, alguma figura conhecida do Leblon parava para falar com os dois. Tomava um chopp, contava uma história, comia um petisco e seguia seu caminho de sábado. Uma tarde sentado naquela varanda (se é que se pode chamar aquilo de varanda) tinha o poder de regenerar seu cansaço pelo trabalho de toda a semana.

O bar enchendo de gente. O volume das vozes aumentando. E o humor dos garçons começando a mudar. Os dois observavam tudo e riam dos detalhes das mesas próximas. Ele conseguia ouvir a conversa de, pelo menos, três mesas simultaneamente, ela focava uma situação e seguia como se fosse novela. E os dois riam de cada lance da vida, deliciosamente mundana, que os cercava.

Foi quando ele percebeu um casal em busca de uma mesa. Ele primeiro viu a Menina com Charme e depois é que se deu conta de que ela não estava sozinha. Uma fração de segundos. O suficiente para ele imaginar como seria a história entre ele e aquela Menina.

...

Ela chegou sozinha no bar. Ele, sentado com uma amiga, viu que ela não conseguiria um lugar e ofereceu uma cadeira para que se sentasse com eles. Ela aceitou, sorrindo, charmosa. Sentou-se, pediu um chopp e começou a ouvir e a falar como se fossem velhos conhecidos. Coisa de carioca, diriam os paulistas.

A amiga, boa conhecedora dos brilhos dos olhos do amigo, logo inventou uma desculpa para sair de cena e os deixou sozinhos no meio do bar lotado. Ela contou sobre sua vida, sobre seus filhos, sobre seu trabalho. E ele ouviu. A cada novo chopp ela ficava mais a vontade. A companhia facilitava. Ele falava das suas coisas, do seu jeito e a conversa seguia fácil e gostosa.

- Você é sincero demais...
- Sou. Aliás... você não teria uma irmã gêmea para me apresentar não, né?

E riram um riso fácil. A velocidade do chopp havia diminuído. Os dois queriam continuar sóbrios e atentos um ao outro. Ela foi ao toillete. Ele esperou. Na sua volta ele resolveu ir também. E, de frente para o espelho, enquanto lavava as mãos, viu que seus olhos ganhavam um colorido novo. Sempre que ele estava feliz demais ou bravo demais seus olhos ganhavam tons de verde. Ele sorriu. Não estava nem ficaria bravo naquele dia.

Voltando para a mesa ele a viu sentada de costas para o seu caminho e não resistiu a um abraço carinhoso. Ela encolheu-se, mas não se furtou ao carinho e segurou seus braços com as duas mãos respirando fundo. Ele disse no ouvido dela:

- Gosto de ter você por perto.

E com uma das mãos ele acariciou seus cabelos. E com carinho beijou-lhe o rosto enquanto ela fechava os olhos. E com ternura voltaram ao abraço que marcava o início de uma história de amor.

...

Quando se deu conta de que estava imaginando e não vivendo aquele romance, ofereceu assento ao casal e logo começaram uma deliciosa amizade de botequim. Coisa de carioca, diriam os paulistas novamente. Os meninos tinham algumas coisas em comum. Mas ele não conseguia parar de olhar para ela, dividido com a presença de um cara legal a seu lado que o impedia até mesmo de imaginar qualquer coisa. Logo ela disse que precisava ir embora. Tinha que pegar um dos filhos em algum lugar próximo. Deixou o namorado na mesa, avisando que logo voltaria para buscá-lo, despediu-se e foi.

Alguns chopps a mais e ele também se foi.

A melhor amiga notou seu interesse, mas preferiu não comentar. Ele escolheu ir embora. Disse que queria dormir um pouco. A amiga ainda protestou:

- Mas já? Jura que você quer dormir agora? Por quê?

Ele pensou e respondeu:

- Porque agora tenho um motivo pra sonhar.


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

É de noite


Os desejos vão consumindo o lugar que deveria estar repleto de amor. Amor que não surge nunca na hora esperada. Amor que teima em se esconder pelas ruas em que passo sem se fazer notar. Não o vejo, não o reconheço e por isso sigo cheio de desejos, de fantasias, de quereres.

A vida teima em seguir um ritmo próprio. É uma tremenda falta de respeito. Converso com ela e tento explicar que não acredito no amanhã, que vivo apenas o hoje. Ela, calada, responde que isso é problema meu e manda avisar que só me trará o amor quando achar que eu estou pronto para vivê-lo. É mesmo absurda essa situação.

Indignado, converso com o menino poeta e sonhador que mora dentro de mim. Tento explicar que ele precisa ser paciente, que em breve a vida há de mostrar a pessoa certa e dou uma enrolada para ver se ele se acalma. Mas meninos tem pressa e o meu não é diferente. Ele quer logo conhecer o grande amor. Me diz que não há tempo a perder. Que cada dia sem ela é mais um dia vazio e diz que nenhum dia não pode passar em branco.

- Calma! Ela disse que na hora certa vai mandar a pessoa com quem vamos viver os melhores dias das nossas vidas. A vida sabe o que faz!

- Sabe? Sabe nada! A vida é uma tremenda gozadora. Vai nos apresentando pessoas disfarçadas de grandes amores e a gente vai acreditando que dessa vez é “a” pessoa, mas qual nada...nunca é. A vida brinca com meus sentimentos como se eu não os tivesse.

- Calma. Deixe o tempo correr. Seja paciente!

- Você não pode estar falando sério. Você sabe muito bem como a gente fica quando não tem ninguém ocupando o coração. Você conhece a agonia de não amar. Sabe como é ruim deitar-se de noite na cama sem pensar em ninguém. Você chega mesmo a lembrar de antigos amores, que não devem mais sequer lembrar seu nome, apenas para ter em quem pensar. Calma? Pra cima de mim???

E os conflitos internos vão se repetindo ante a falta do grande amor. O menino poeta não gosta de ficar esperando. Ele tem imenso medo de não reconhecer seu grande amor e de deixá-lo passar sem um beijo, sem uma loucura, sem lhe dar flores ou escrever tolos versos de amor. O menino poeta tem medo, mas segue sonhando.

...

É de noite. É sempre noite quando não se ama. O amor aparece como o sol que se levanta atrás das montanhas e que clareia devagar o horizonte revelando cores, formas e infinitas possibilidades que a noite esconde.

...

Os desejos aproveitam. Não cessam de aparecer. Surgem por todos os lados e confundem. Um sorriso basta para que eles apareçam. Um olhar é o suficiente para que eles ceguem. Um cheiro bom inebria e engana. Não foram poucas as vezes em que confundi desejos com amores. Não foram poucas as vezes em que tive que escutar amigos me dizendo que não posso ser como sou, que não posso me entregar sem ter certeza de que é mesmo amor. E não foram, nem serão, poucas as vezes em que teimei e que continuarei teimando na busca do grande amor.

Proibir a mim mesmo de viver e de tentar, não faz sentido. Diminuir o desejo, fingindo que não os sinto é pequeno, me faz pequeno. Penso que a vida não me daria tantos desejos se não tivesse escondido em um deles o grande amor. Só me resta buscá-lo.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Uma Grande Mentira de Amor


Eles haviam reatado havia pouco mais de duas semanas. Ela estava diferente. Mais irritada que o normal. Menos carinhosa que o normal. Ele não queria briga e achou melhor deixar o tempo correr. Naquele dia, ele tinha chegado de São Paulo e depois de muitos beijos, carinhos e abraços ela voltou a fechar o tempo e ele não resistiu.

- O que está havendo?

Ela ensaiou não falar nada. Respondeu fugindo da pergunta. Ele pressionou um pouco mais. Ela acabou dizendo que estava tensa: sua menstruação estava atrasada e era isso o que estava tirando seu bom humor. Ele ouviu e perguntou:

- Você acha que pode estar grávida?

E ela então contou uma longa história. Sim, ela achava que podia estar grávida e aquilo era uma questão complicada. Há algum tempo atrás ela havia engravidado do namorado de dois ou três anos e ele disse que não encararia a um filho com ela. Ela optou pelo aborto e vivia arrependida da escolha. O atraso na menstruação ganhava por isso uma dimensão imensa, uma agonia intensa e afetava tudo em sua vida.

Ele ouviu sem fazer juízo de valor. Disse no final que ele pensava diferente e que se ela estivesse mesmo grávida isso seria para ele motivo da maior alegria do mundo. Disse que ser pai do filho dela não poderia ser mais maravilhoso. Falou sobre sua filha amada, seu nascimento e como era bom ser pai. Disse o quanto sua filha era importante para que ele fosse quem ele é. Falou que mesmo que o momento parecesse errado, uma gravidez tinha o poder de transformar tudo. E continuou falando o quanto era desejado aquele filho, o quanto seria importante para os dois.

E ela apenas chorava.

Ele a consolava e dizia que seria bom se ela fizesse um teste. Ela disse que faria na semana seguinte. E o fim de semana seguiu seu rumo. Ele, sem querer fazer grandes planos. Ela, estranha e fechada. Ele teria que voltar para São Paulo no domingo. Ela ficou de procurar um médico e disse que lhe daria notícias.

Quando ele manobrou o carro e tomou o rumo da estrada ela despencou em um choro convulsivo. Não se perdoava por ter mentido daquela maneira para ele, mas não tinha opção. No mês em que estiveram separados, antes da volta recente, ela havia conhecido outro homem. Vaidosa e sedutora deixou-se levar pelos elogios. O que começou como uma brincadeira acabou na cama dela e juntos tiveram uma noite de sexo, ainda que sem amor. Não foi muito além aquela aventura. Sua grande questão era não saber de quem seria o filho que esperava.

No fundo ela sabia que estava grávida, mas não sabia o que fazer sobre isso. As opções eram todas absurdas. Dizer que esperava um filho dele sem saber se era mesmo dele, arriscar ter um filho para descobrir depois quem era o pai de verdade. Ao mesmo tempo havia também a dor de saber que ela não teria outra chance. Ou ia em frente com a gravidez e arriscava ou desistia de todos os seus sonhos de ser mãe para não por em risco o grande amor.

Ele nem desconfiava e não ficou feliz com o telefonema dela dizendo que a menstruação havia descido. Ela era a mulher da sua vida. Um filho com ela era a certeza de que estariam juntos para sempre, de uma forma ou de outra. Ele lamentou por telefone ela fez de conta que também lamentava e desligaram.

Uma amiga buzinava na porta da sua casa e ela já saiu pronta, com bolsa e tudo, rumo à clínica conhecida do mesmo médico que já havia tirado uma vida, morta, de dentro dela. Não trocaram nenhuma palavra. Seguiu rumo ao destino que escolheu como se estivesse sozinha. O procedimento foi rápido. Não houve dor nem mal estar. Pelo menos físicos.

A mesma amiga a levou de volta para casa. Preparou-lhe uma sopa. Colocou-a na cama e recomendou calma e descanso antes de partir. Não houve nem calma nem descanso. Apenas choro e tristeza. Naquela noite ela não atendeu os telefonemas dele. Naquela noite ela não ligou a televisão. Lembrou-se dos sonhos, da criança imaginada, dos nomes que já havia escolhido, dos momentos que havia imaginado e chorou as lágrimas que havia guardado para chorar a felicidade de ser mãe.

Dormiu exausta de tanto chorar na mesma hora em que o sol começava a surgir na sua janela. Não sem antes prometer a si mesma que jamais contaria o que tinha feito a ele.

...   ...   ...

Acordou diferente em todos os dias que se seguiram àquele dia. Não era mais a mesma menina de antes. Havia pago um preço alto demais.

Ele veio novamente naquele final de semana, mas ela estava diferente. Ele não adivinhou. Ela brigava por qualquer motivo. Ele só queria estar ali. Ela só queria sumir. As brigas recomeçaram sem que ele entendesse os motivos. Ela se ressentia de tudo, estava sensível. Surgiram cobranças e mais cobranças. Qualquer desatenção era imediatamente convertida em mágoa.

Ele resolveu alegrá-la. Comprou ingressos para o show de seu cantor preferido e a levou tentando lhe fazer sorrir todo o tempo. Ele a amou mais do que amou qualquer mulher, mas ela não parecia perceber. No meio do show ela cismou que ele estava olhando para outra mulher. Reclamou. Ele resolveu sair de perto e fumar um cigarro. Quando o show acabou, houve uma cena dela dizendo que iria embora sozinha. Depois, atendeu os apelos dele e entraram juntos no carro onde a briga recomeçou. Ele não queria mais brigar. Ela berrava alto. Ele não se conteve e berrou também. Ela perdeu a razão e disse coisas que nunca deviam ser ditas a ninguém. Ele calou, profundamente magoado. Ela percebeu o que havia feito e em um gesto contínuo bateu na trava do cinto de segurança e abriu a porta do carro que seguia a mais de 100 km/h decidida a pular. Ele a puxou. Ela mordeu sua mão com toda a força enquanto ele encostava o carro.

Eles viveram juntos o pior momento de suas vidas.

Depois, choro, conversas, pedidos de perdão, arrependimentos e tudo o mais que pudesse ser dito, pedido, implorado. Os dois continuaram juntos por mais um tempo. Pouco tempo, suficiente apenas para que a frustração dela fosse ganhando espaço necessário para tornar a relação impossível. Ela não podia confessar e nem ele, tão pouco, adivinhar.

E ele nunca se conformou com o fim do grande amor. Nem nunca soube da grande mentira de amor.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Quanto vale um amor?


Qual é o valor de um amor? Sim, a pergunta é essa mesma. Quanto vale um amor? Será que vale todas as horas de sono que já perdi? Será que vale todos os sonhos que abandonei? Será que um amor vale os outros amores que não vivi? Será que faz sentido?

De vez em quando fico pequeno. Volto a ser uma criança que não entende os nãos que ganha na vida. Deve haver uma razão, mas eu não consigo entender. Fico triste de verdade. O coração bate doendo. As lembranças que jurei ter apagado voltam vivas e as lágrimas escorrem mortas.

Tentei curar essa espécie de maldição de várias maneiras diferentes. Tentei amar outras pessoas, mas não consegui. Acreditei, algumas vezes, que enfim estava em um caminho bom e que ele me levaria a um caminho melhor, mas não consegui nem dar os passos que precisava nas horas da escolha. Não me entreguei de verdade a mais ninguém. Não tive coragem. Não amei.

Tentei também ir ainda mais fundo no poço dessa tristeza imensa. Bati o pé no fundo, tentei tomar impulso. Nada adiantou. Meu pé ficou preso. Não houve impulso. A tristeza que, racionalmente, escolhi matar pra nunca mais sentir, resolveu permanecer doendo no meu peito. Me consultei com gente mais inteligente do que eu e descobri que a inteligência não foi convidada a falar sobre a emoção. Conversei e confessei com amigos. Mas não imaginava uma penitência tão grande. Continuo pagando.

Visitei meus valores. Lembrei de tudo o que sempre quis para a minha vida. Lembrei da casa que desenhava na infância enquanto me convencia de que era ali que eu iria morar. Lembrei dos rabiscos adolescentes feitos com grafite e que sempre repetiam o mesmo rosto e que serviam para me mostrar apenas o olhar que queria ver todos os dias de manhã, quando chegasse a hora. Lembrei da importância da família. E também não esqueci de lembrar do tanto que sempre desejei uma companheira, cúmplice dos meus erros e acertos. Pensei nos poetas que li, nos romances que devorei, nas histórias que ouvi... tudo mentira?

De que adianta sofrer por quem nem lembra mais de você? Pra que isso? Pra sentir uma pena insuportável de mim mesmo? Detesto pena, detesto auto piedade, detesto me fazer de coitado. Detesto a vida em baixo astral.

Concluí, no meio disso tudo, que criei pra mim uma personagem que nunca existiu. Assim pude entender que amei quem nunca existiu. Percebi que o único culpado desse fracasso que dói fui eu mesmo. Me declarei incompetente. Passei de todos os limites. E tudo continua tão imensamente vazio.

Sigo me sentindo um idiota. Um tolo.

Se a vida for mesmo uma estrada, como sempre acreditei, então estou parado há tempos numa daquelas imensas junções de highways, sem a menor ideia de qual é a saída certa. Tem carro buzinando atrás, gente me falando: me segue, reboques a fim de me levar sei lá pra onde. Tem de tudo. E eu, parado olhando isso tudo sem nem saber por onde eu começo.

É uma sensação nova e ruim. Claro que sofrer de amor não é a novidade. O novo é não saber o que fazer. Pensei em criar uma nova fantasia, mas pra que? Cheguei a pegar um grafite para rabiscar outro rosto em outras folhas, mas pra que? O vazio é mesmo um absurdo. Tenho medo que ele me seque.

E segue o baile... espero que em breve com outros ritmos...

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Cansado de errar, não de tentar.


Não pode ser tão difícil. Eu sou um cara bacana. Não sou maluco. Não faço barbaridades por aí. Vivo todos os dias de forma intensa, mas isso não me faz um louco, um pervertido ou algo do gênero. Conheço um monte de gente. Cultivo meus amigos e gosto de estar sempre rindo, tomando um chopp, falando da vida sem cair na tentação de falar da vida dos outros. Não estou aqui pra julgar ninguém e também não me importo com os julgamentos que fazem de mim.

Levo a vida de uma maneira tranquila. Meu maior patrimônio é minha filha e meus amigos. E mesmo assim não tenho a sorte de um amor tranquilo com gosto de fruta mordida. Tá na hora de parar pra entender melhor o que diabos estou fazendo de errado. Sim, porque só pode ser isso.

Não costumo fugir da raia. Se eu acho que posso me apaixonar por alguém eu passo a acreditar que ela pode ser “a” pessoa. E essa é a única hora em que eu me permito jogar. Só o jogo da sedução me interessa. O resto é tolice de gente que não sabe viver.

Aí, no caminho você descobre que não é bem assim. Descobre que as pessoas tem tanto medo de viver a vida que normalmente escolhem a banalidade das relações superficiais e não se entregam por nada. Ou então descobre que você precisa se adaptar às fantasias delas porque elas não querem você de verdade, mas querem muito o que elas imaginaram que você fosse.

De um lado o amor raso, no qual eu não acredito e não confio. Do outro o amor falso, muito mais comum do que se pensa, e que não me interessa nem por um minuto. E eu sigo sem encontrar.

Me visto de poeta e busco um mundo mais bacana, mais romântico, mais intenso. Sei o quanto isso pode ser sedutor e interessante. Também é sedutor e interessante para mim e por isso sigo da forma que eu escolhi. Mas de vez em quando cansa.

Pra que servem as fantasias? Talvez para amenizar a realidade da vida, é o que me dizem os que já desistiram de acreditar e se acomodaram em relações boas o suficiente para a sobrevivência. Talvez as fantasias sirvam como escudo, protegendo, enganando, disfarçando. Talvez as fantasias não sirvam para nada. E pensando assim me pergunto de novo: por que é que eu gosto tanto da vida com fantasia?

Gosto porque tomo posse de um outro tipo de vida. Uma vida feita só das coisas que eu gosto. Nela coloco um tanto de música, outro tanto de romance, uma porção generosa de viagens e passeios, salpico de amigos por todos os lados, cubro com amor intenso e acendo o fogo da paixão para deixar tudo com sabores que justifiquem a vida.

Se não for assim serei apenas mais uma pessoa. E não me importo de parecer apenas mais uma pessoa para os outros. Mas para mim mesmo? Não posso! Tenho que ser a melhor pessoa que eu conseguir ser todos os dias. Tenho que fazer todos os dias mais bacanas do que os dias anteriores. Tenho que brigar pela minha sanidade que nada tem a ver com o que os outros entendem como sanidade. Pouco me importam as opiniões dos outros quando o assunto é amor. Nesse campo quem manda é o coração. Só confio nele apesar dele já ter me traído tantas vezes. A escolha é minha.

Estou cansado de errar, não de tentar.

E segue o baile.

Cazuza Todo Amor Que Houver Nessa Vida!

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Velhos Amigos


Os amigos tinham envelhecido muito e ele começou a sentir-se um tanto deslocado. Perguntava-se como era possível que mesmo tendo a mesma idade ele pudesse ser tão mais jovem do que todos os outros. E mesmo assim não deixava de se encontrar com eles para o chopp de sempre.

- Às sete? Como assim? Por que tão cedo?

E cada um tinha sua própria desculpa. O fato é que eles não aguentavam mais ficar até altas horas bebendo e conversando. Queriam tomar dois ou três chopps, entrar num táxi e voltar correndo para suas casas. Ele era sempre o último a sair.

Naquele dia ele não ficou só. Um de seus melhores e mais queridos amigos de infância estava de férias e resolveu aguentar o tranco junto com ele. Os outros teimaram em olhar para o relógio e a repetir as caras de espanto para em seguida partirem correndo.

- Rapaz, você não mudou nada!
- Que isso. A gente envelheceu. Já não somos mais meninos.
- Eu envelheci, mas você continua o mesmo.

E ele sabia que era verdade. Estava sentado com um cara que tinha exatamente a mesma idade que ele. Um cara com quem jogou muito futebol. Um companheiro de noitadas inesquecíveis. Mas não o reconhecia. Hoje, os cabelos brancos e as rugas marcavam a fisionomia do amigo. A forma com que se sentava e as roupas que usava denunciavam um homem bem mais velho. Deixou se perder nos pensamentos, enquanto escolhia as palavras, para depois dizer:

- Posso fazer uma pergunta íntima?
- Claro. Somos amigos há tantos anos. Não temos segredos.
- O que aconteceu com você? Por que você está se vestindo assim? Por que parece tão cansado?

E o amigo querido respirou fundo e entendeu que aquele era apenas o início de uma longa conversa. Começou lembrando os tempos do colégio, quando se conheceram, da faculdade que escolheu e dos rumos que deu na vida. O amigo tinha feito um grande planejamento para a sua vida. Formou-se engenheiro e foi trabalhar ainda estudante. Foi contratado e passou a se dedicar mais do que todos os outros na busca do seu sucesso profissional. Seguiu os passos do pai e passou muitos e muitos anos trabalhando incansavelmente. Não havia finais de semana nem férias. Chegava antes dos outros e saía depois de todo mundo. O amigo era um exemplo profissional e logo sua carreira decolou. Assumiu cargos de chefia. Tornou-se um diretor importante. Foi convidado para ser sócio da companhia e continuou mantendo a sua rotina de sempre.

- Essas são as minhas primeiras férias desde que comecei a trabalhar. E isso já tem trinta anos – confessou. Estamos num momento complicado na empresa. Todos os sócios estão formando seus filhos para uma sucessão que deve acontecer ainda este ano. Todos, menos eu. Meus filhos não querem saber de engenharia. Passam o ano viajando e curtindo a vida. Estou triste com isso. No final do ano me aposento e ainda não tenho ideia do que fazer. Tenho medo da solidão. Medo de passar dos limites com meus filhos. E tenho saudades da mãe deles... nunca mais nos vimos. Soube que ela está casada e feliz, mas ainda sinto sua falta.

- Rapaz, essa conversa faz você parecer um ancião. Com tanta coisa no mundo para ver e viver, você fica se lamentando porque vai ter tempo pra tudo? Não dá pra entender. Você acha que vai ficar em casa de pijamas e chinelos? Honestamente, acho que você perdeu muito tempo na vida. Sua luta sempre foi pelo “ter” e isso você conseguiu. Mas não adianta apenas ter se você não se preocupar também em “ser”. Faz assim: pega um papel e divide em dois. De um lado escreve o que você tem, do outro o que você é.

O garçom trouxe uma caneta e eles começaram a rabiscar no guardanapo.

Eu tenho... um apartamento, uma casa em Búzios, um sítio na serra, um carro do ano, uma conta bancária bacana, investimentos diversos, quadros maravilhosos, roupas incríveis, relógios caros....

Eu sou... um exemplo profissional, um cara bem sucedido, um workaholic, um chefe justo, um...

- Continua!
- Acho que não. Já entendi o que você está querendo me mostrar. O que eu não sei é como mudar isso. Estou velho demais. Mal me dou com as crianças que só me procuram quando querem dinheiro. Ando muito sozinho.
- Olha só. Você precisa entender que só existe o hoje. O ontem já foi e o amanhã não começou, nem começará nunca. Só tem o hoje! Por isso, se eu fosse você, antecipava sua aposentadoria. Comprava uma passagem e ia encontrar seus filhos onde eles estiverem. No caminho, seja no avião, no aeroporto ou em qualquer lugar, preste atenção nas pessoas que passam por perto. Você vai ver gente feliz e gente triste. Escolha sempre as pessoas felizes. Puxe uma conversa. Faça novos amigos. Não tenha medo de se apaixonar. Se você achar alguém interessante chame para conversar, convide para sair, vá dançar, mostre o nascer do sol, dê flores. Entregue-se.
- Nessa idade?
- Que idade? Isso é bobagem! Viva o hoje!

E a conversa continuou por apenas mais um chopp. A saideira. Cada um seguiu um rumo diferente. As palavras fizeram eco nos dois. O amigo ficou de pensar melhor. E ele chegou em casa e foi direto fazer as malas.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Menina que nunca mais vi


(vinte anos depois)

Eu tinha saído de uma grande agência e montado a minha pequena consultoria. Nessa época eu morava em São Paulo e as coisas prometiam encontrar um caminho bom. Logo de cara consegui alguns clientes que me mantinham com as contas pagas e curioso para saber de tudo o que acontecia no mercado.

Um dia alguém me falou de uma menina e seus projetos e acabamos marcando um encontro.

Ela veio ao meu escritório e logo na primeira olhada pensei comigo: “vai ser difícil prestar atenção no projeto”. Sentamos numa mesa de reunião e ela pacientemente foi me contando o que fazia e o que não fazia, o que era e o que não era. E eu me esforçava para tentar entender, mas meus olhos estavam fixos nos olhos dela que cismavam em desviar.

A conversa evoluiu, tomou outro rumo e ela me contou um pouco da sua vida. Da sua paixão pelo mar e de uma viagem que estava por fazer rumo ao extremo sul do mundo. Quanto mais eu ouvia as histórias mais encantado ficava. Pensava quieto que tudo o que me ligava ao polo sul era a minha paixão por pinguins, mas naquela conversa virei um especialista no assunto tentando me mostrar interessante para a menina que me fascinava.

Marcamos outra reunião, antes da sua viagem, com o pretexto de conhecer melhor alguns detalhes do projeto e voltamos a nos ver.

A essa altura eu já sabia que ela tinha um namorado e que o cara era bem conhecido. Sabia que minhas chances eram nenhuma. Mas não sabia como tirar aqueles olhos da minha memória.

Nesse encontro gastamos pouco tempo com o projeto e bastante falando da vida, amores, sonhos, desafios e outras bobagens sem compromisso. A conversa era boa. Ela estar por perto era bom e ficamos assim até perdemos a hora e até que um de nós olhasse no relógio. O tempo não estava ao nosso lado.

Desci com ela até a garagem. Esperei seu carro. Ia me despedindo aos poucos como se soubesse que não voltaria a vê-la. Desejei boa viagem. Disse que se agasalhasse. Avisei que continuaria no mesmo lugar e a vi partindo com um sorriso doce no rosto.

Depois, muito tempo depois, minha secretária aparece na minha sala com um embrulho e um envelope. No embrulho uma caneca de pinguins que guardo até hoje. No envelope uma pasta transparente com alguns peixes e outros recortes de papel colorido que simulavam o fundo do mar. Junto, um bilhete carinhoso da Menina que nunca mais vi.