segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Malabarismos


A vida lhe propôs vários desafios. Tudo junto, ao mesmo tempo, agora!


O Equilíbrio

Nada podia acontecer enquanto ela não alcançasse seu próprio equilíbrio. Um desafio e tanto. A vida havia lhe maltratado, como faz com todo mundo em algum momento e ela lutou com todas as suas forças pra superar todas as dores, uma de cada vez. Tornou-se uma sobrevivente. Teve que manter, ao mesmo tempo, todos os pratos girando no ar, sem deixar nenhum cair. Não foi fácil. Ainda não era.

Acordar de manhã pensando no dia cheio que vinha pela frente nunca deixa muito tempo para acordar como ela gosta. Espreguiçar-se, ficar mole na cama sentindo o dia nascer, pensar em tudo o que sente, dar bom dia – ainda que só em pensamento – pra quem lhe é importante. Tudo isso tinha que esperar novos dias. Tempos novos.

Desde que sua vida tomou o rumo que tomou as coisas ganharam outra velocidade. Acordar era sinal de compromisso. Estava sempre atrasada. Não tinha tempo para nada.

O insuportável barulho do despertador era um sinal para que, automaticamente, ela se levantasse, fosse até o quarto da filha avisar que já estava na hora e seguisse rumo a cozinha para fazer um café e misturar um leite com chocolate para a filha. Voltava com o leite para constatar que a filha ainda dormia. Nova chamada, desta vez com o copo na mão que era entregue com os conselhos de mãe – cuidado, não derrube, acorda filhota. O café de cafeteira revelava sua preguiça. Caneca cheia. No quarto a televisão precisava ser ligada para lhe fazer companhia. Levantou filhota? Banho. Tô quase pronta e você? Roupa. Filha, anda, olha a hora. Vamos!

Depois, carro até o colégio e de volta para casa. Tenho que descongelar o frango. Deixar os recados de sempre para a empregada. Pensar nas reuniões do dia. Lembrar de trocar a lâmpada. Pagar o lavador do carro. Sair correndo. Chegar no escritório. Ligar o computador. Pagar as contas Ouvir a lenga-lenga dos funcionários Telefonar. Atender telefonemas. Verificar o estoque. Falar com os fornecedores. Aceitar o convite de um almoço. Recusar o de um jantar. Tomar fôlego. Tomar café. Tomar água. Tomar uma atitude... era isso o que ela se dizia o tempo todo: - Preciso tomar uma atitude.

Nessa hora vinham os sonhos que ela não teve durante a noite. Morar em Nova York. Representar artistas brasileiros. Conhecer as galerias. Respirar cultura. Andar pelas ruas, fascinada com a cidade que pulsa. Não ter hora pra nada. Sorrir de tudo, todo o tempo.

E a realidade voltava sempre em forma de uma pergunta desnecessária ou do toque de um telefone. E a vida a levava sem que disso ela tirasse nenhum proveito.

O dia acabava com ela cansada. Exausta. Hora do sofá, para onde ela ia de camiseta e calcinha e com o cabelo despenteado. Era como a hora do recreio que embalaria seu fim de dia, diminuindo a velocidade das demandas. Buscava recarregar sua bateria de forças para começar tudo de novo no dia seguinte. Não tinha disposição para pensar em como mudar, mas sabia que precisava tomar uma atitude.

- A vida tá escondendo de mim os meus melhores anos, meus melhores momentos, o melhor de mim. Era o que pensava enquanto deixava o cansaço se transformar em sono...


As Dúvidas


A semana corre. Os dias se repetem. Nem os sábados escapam.

Surgem os convites para os programas mais diversos. Um amigo fala de uma degustação de vinhos. Uma amiga avisa que as “meninas” vão se encontrar no sábado. O namorado não sabe se vai ou não viajar. A filha pede pra que ela leve e busque numa social na Barra. O pai pergunta se ela esqueceu que tem pai. E ela pensa que precisa comprar lâmpadas e dar um jeito na torneira que não para de pingar há mais de um mês.

Ela se promete sair, ver gente, conhecer pessoas. Ficar em casa é bom para descansar durante a semana, mas ela sabe que precisa ver a vida para se sentir viva. Aceita os convites que parecem mais divertidos e os que ela pode ir a pé ou de scooter. Acredita que andar a pé lhe mostra a vida ao vivo. Pessoas que passam apressadas, rostos intrigados, casais abraçados, crianças teimosas e desobedientes, velhos que caminham sorrindo... Tudo preenche a vida dela de outras perspectivas e a convence de que ela pode ser o que quiser, basta escolher.

Mas não existem escolhas sem renúncias – ela mesmo postou isso no seu mural do Facebook.

- Preciso parar de fumar.

E acende um cigarro quando para e senta-se para tomar um chopp, sozinha, longe dos convites e perto da vida que acontece bem a sua frente. Tanta gente que passa e o mesmo sentimento de solidão. Olha para tudo e para todos, mas não repara em nada nem ninguém. Na sua cabeça passam cenas de um passado que a trouxe até aqui. Das escolhas que não fez. Das alegrias dos outros que a fizeram sorrir e acreditar que essas alegrias também eram dela. Era hora de mudanças. Ela sabia.

- Preciso de um cigarro.

E paga a conta e volta passa a passo a caminhar pelas ruas do Leblon. Espera o sinal abrir. Pensa em atravessar com ele fechado. Desiste. Escolhe encontrar as meninas, toma seu rumo em passos rápidos. A filha liga. Ela não havia esquecido a festa. Não, ela não podia usar aquele vestido. Desliga e ri. A filha preenche todos seus vazios. Emprestaria o vestido na segunda ligação.

No caminho, uma esquina do Leblon se mostra mágica. De um lado vários baldes repletos de flores. Flores do campo, lírios, palmas, gérberas e rosas. Pensa em comprar as flores do campo e logo se lembra que não estava indo para casa. Do outro lado um rapaz toca lindamente seu violino enchendo a rua de cores e sons. A música toma conta do caos e tira até mesmo um sorriso do guarda sisudo que apenas assiste a cena. Mas o que mais a surpreende é um realejo parado em frente a uma banca de jornal. A manivela faz a caixa de música repetir a mesma melodia dos seus tempos de infância e enche seu peito de saudades de quem ela já foi. Na gaiola aberta o louro impaciente espera pelo próximo cliente, pela gaveta da sorte aberta, pela recompensa de puxar um papel e depois selar o canto obedecendo seu dono.

- Moço, tire a sorte para mim!
- Quem tira a sorte não sou eu é o louro. Vamos louro, tire a sorte para a moça. Escolha uma sorte bem bonita... vamos louro...

E o papel fica dobrado na mão dela enquanto ela paga e agradece. Dentro, descobre caminhando e lendo, ao invés de uma frase feita, uma citação de Anais Nin: 

“Não vemos as coisas como elas são. Vemos como nós somos.”

- Preciso parar de fumar.

E acende o cigarro e segue até outro bar do Leblon onde as meninas vão repetir as histórias de sempre. Onde ela vai repetir a caipirinha de sempre. Onde o dia vai passar, como sempre, até que ela escolha mudar.

- Preciso de um cigarro.

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