Os amigos tinham envelhecido muito e ele começou a sentir-se
um tanto deslocado. Perguntava-se como era possível que mesmo tendo a mesma
idade ele pudesse ser tão mais jovem do que todos os outros. E mesmo assim não
deixava de se encontrar com eles para o chopp de sempre.
- Às sete? Como assim? Por que tão cedo?
E cada um tinha sua própria desculpa. O fato é que eles não
aguentavam mais ficar até altas horas bebendo e conversando. Queriam tomar dois
ou três chopps, entrar num táxi e voltar correndo para suas casas. Ele era
sempre o último a sair.
Naquele dia ele não ficou só. Um de seus melhores e mais
queridos amigos de infância estava de férias e resolveu aguentar o tranco junto
com ele. Os outros teimaram em olhar para o relógio e a repetir as caras de
espanto para em seguida partirem correndo.
- Rapaz, você não mudou nada!
- Que isso. A gente envelheceu. Já não somos mais meninos.
- Eu envelheci, mas você continua o mesmo.
E ele sabia que era verdade. Estava sentado com um cara que
tinha exatamente a mesma idade que ele. Um cara com quem jogou muito futebol. Um
companheiro de noitadas inesquecíveis. Mas não o reconhecia. Hoje, os cabelos
brancos e as rugas marcavam a fisionomia do amigo. A forma com que se sentava e
as roupas que usava denunciavam um homem bem mais velho. Deixou se perder nos
pensamentos, enquanto escolhia as palavras, para depois dizer:
- Posso fazer uma pergunta íntima?
- Claro. Somos amigos há tantos anos. Não temos segredos.
- O que aconteceu com você? Por que você está se vestindo
assim? Por que parece tão cansado?
E o amigo querido respirou fundo e entendeu que aquele era
apenas o início de uma longa conversa. Começou lembrando os tempos do colégio,
quando se conheceram, da faculdade que escolheu e dos rumos que deu na vida. O amigo
tinha feito um grande planejamento para a sua vida. Formou-se engenheiro e foi
trabalhar ainda estudante. Foi contratado e passou a se dedicar mais do que
todos os outros na busca do seu sucesso profissional. Seguiu os passos do pai e
passou muitos e muitos anos trabalhando incansavelmente. Não havia finais de
semana nem férias. Chegava antes dos outros e saía depois de todo mundo. O amigo
era um exemplo profissional e logo sua carreira decolou. Assumiu cargos de
chefia. Tornou-se um diretor importante. Foi convidado para ser sócio da
companhia e continuou mantendo a sua rotina de sempre.
- Essas são as minhas primeiras férias desde que comecei a
trabalhar. E isso já tem trinta anos – confessou. Estamos num momento
complicado na empresa. Todos os sócios estão formando seus filhos para uma
sucessão que deve acontecer ainda este ano. Todos, menos eu. Meus filhos não
querem saber de engenharia. Passam o ano viajando e curtindo a vida. Estou triste
com isso. No final do ano me aposento e ainda não tenho ideia do que fazer. Tenho
medo da solidão. Medo de passar dos limites com meus filhos. E tenho saudades
da mãe deles... nunca mais nos vimos. Soube que ela está casada e feliz, mas
ainda sinto sua falta.
- Rapaz, essa conversa faz você parecer um ancião. Com tanta
coisa no mundo para ver e viver, você fica se lamentando porque vai ter tempo
pra tudo? Não dá pra entender. Você acha que vai ficar em casa de pijamas e
chinelos? Honestamente, acho que você perdeu muito tempo na vida. Sua luta
sempre foi pelo “ter” e isso você conseguiu. Mas não adianta apenas ter se você
não se preocupar também em “ser”. Faz assim: pega um papel e divide em dois. De
um lado escreve o que você tem, do outro o que você é.
O garçom trouxe uma caneta e eles começaram a rabiscar no
guardanapo.
Eu tenho... um apartamento, uma casa em Búzios, um sítio na
serra, um carro do ano, uma conta bancária bacana, investimentos diversos,
quadros maravilhosos, roupas incríveis, relógios caros....
Eu sou... um exemplo profissional, um cara bem sucedido, um
workaholic, um chefe justo, um...
- Continua!
- Acho que não. Já entendi o que você está querendo me
mostrar. O que eu não sei é como mudar isso. Estou velho demais. Mal me dou com
as crianças que só me procuram quando querem dinheiro. Ando muito sozinho.
- Olha só. Você precisa entender que só existe o hoje. O ontem
já foi e o amanhã não começou, nem começará nunca. Só tem o hoje! Por isso, se
eu fosse você, antecipava sua aposentadoria. Comprava uma passagem e ia
encontrar seus filhos onde eles estiverem. No caminho, seja no avião, no
aeroporto ou em qualquer lugar, preste atenção nas pessoas que passam por perto.
Você vai ver gente feliz e gente triste. Escolha sempre as pessoas felizes. Puxe
uma conversa. Faça novos amigos. Não tenha medo de se apaixonar. Se você achar
alguém interessante chame para conversar, convide para sair, vá dançar, mostre
o nascer do sol, dê flores. Entregue-se.
- Nessa idade?
- Que idade? Isso é bobagem! Viva o hoje!
E a conversa continuou por apenas mais um chopp. A saideira.
Cada um seguiu um rumo diferente. As palavras fizeram eco nos dois. O amigo
ficou de pensar melhor. E ele chegou em casa e foi direto fazer as malas.
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