quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Velhos Amigos


Os amigos tinham envelhecido muito e ele começou a sentir-se um tanto deslocado. Perguntava-se como era possível que mesmo tendo a mesma idade ele pudesse ser tão mais jovem do que todos os outros. E mesmo assim não deixava de se encontrar com eles para o chopp de sempre.

- Às sete? Como assim? Por que tão cedo?

E cada um tinha sua própria desculpa. O fato é que eles não aguentavam mais ficar até altas horas bebendo e conversando. Queriam tomar dois ou três chopps, entrar num táxi e voltar correndo para suas casas. Ele era sempre o último a sair.

Naquele dia ele não ficou só. Um de seus melhores e mais queridos amigos de infância estava de férias e resolveu aguentar o tranco junto com ele. Os outros teimaram em olhar para o relógio e a repetir as caras de espanto para em seguida partirem correndo.

- Rapaz, você não mudou nada!
- Que isso. A gente envelheceu. Já não somos mais meninos.
- Eu envelheci, mas você continua o mesmo.

E ele sabia que era verdade. Estava sentado com um cara que tinha exatamente a mesma idade que ele. Um cara com quem jogou muito futebol. Um companheiro de noitadas inesquecíveis. Mas não o reconhecia. Hoje, os cabelos brancos e as rugas marcavam a fisionomia do amigo. A forma com que se sentava e as roupas que usava denunciavam um homem bem mais velho. Deixou se perder nos pensamentos, enquanto escolhia as palavras, para depois dizer:

- Posso fazer uma pergunta íntima?
- Claro. Somos amigos há tantos anos. Não temos segredos.
- O que aconteceu com você? Por que você está se vestindo assim? Por que parece tão cansado?

E o amigo querido respirou fundo e entendeu que aquele era apenas o início de uma longa conversa. Começou lembrando os tempos do colégio, quando se conheceram, da faculdade que escolheu e dos rumos que deu na vida. O amigo tinha feito um grande planejamento para a sua vida. Formou-se engenheiro e foi trabalhar ainda estudante. Foi contratado e passou a se dedicar mais do que todos os outros na busca do seu sucesso profissional. Seguiu os passos do pai e passou muitos e muitos anos trabalhando incansavelmente. Não havia finais de semana nem férias. Chegava antes dos outros e saía depois de todo mundo. O amigo era um exemplo profissional e logo sua carreira decolou. Assumiu cargos de chefia. Tornou-se um diretor importante. Foi convidado para ser sócio da companhia e continuou mantendo a sua rotina de sempre.

- Essas são as minhas primeiras férias desde que comecei a trabalhar. E isso já tem trinta anos – confessou. Estamos num momento complicado na empresa. Todos os sócios estão formando seus filhos para uma sucessão que deve acontecer ainda este ano. Todos, menos eu. Meus filhos não querem saber de engenharia. Passam o ano viajando e curtindo a vida. Estou triste com isso. No final do ano me aposento e ainda não tenho ideia do que fazer. Tenho medo da solidão. Medo de passar dos limites com meus filhos. E tenho saudades da mãe deles... nunca mais nos vimos. Soube que ela está casada e feliz, mas ainda sinto sua falta.

- Rapaz, essa conversa faz você parecer um ancião. Com tanta coisa no mundo para ver e viver, você fica se lamentando porque vai ter tempo pra tudo? Não dá pra entender. Você acha que vai ficar em casa de pijamas e chinelos? Honestamente, acho que você perdeu muito tempo na vida. Sua luta sempre foi pelo “ter” e isso você conseguiu. Mas não adianta apenas ter se você não se preocupar também em “ser”. Faz assim: pega um papel e divide em dois. De um lado escreve o que você tem, do outro o que você é.

O garçom trouxe uma caneta e eles começaram a rabiscar no guardanapo.

Eu tenho... um apartamento, uma casa em Búzios, um sítio na serra, um carro do ano, uma conta bancária bacana, investimentos diversos, quadros maravilhosos, roupas incríveis, relógios caros....

Eu sou... um exemplo profissional, um cara bem sucedido, um workaholic, um chefe justo, um...

- Continua!
- Acho que não. Já entendi o que você está querendo me mostrar. O que eu não sei é como mudar isso. Estou velho demais. Mal me dou com as crianças que só me procuram quando querem dinheiro. Ando muito sozinho.
- Olha só. Você precisa entender que só existe o hoje. O ontem já foi e o amanhã não começou, nem começará nunca. Só tem o hoje! Por isso, se eu fosse você, antecipava sua aposentadoria. Comprava uma passagem e ia encontrar seus filhos onde eles estiverem. No caminho, seja no avião, no aeroporto ou em qualquer lugar, preste atenção nas pessoas que passam por perto. Você vai ver gente feliz e gente triste. Escolha sempre as pessoas felizes. Puxe uma conversa. Faça novos amigos. Não tenha medo de se apaixonar. Se você achar alguém interessante chame para conversar, convide para sair, vá dançar, mostre o nascer do sol, dê flores. Entregue-se.
- Nessa idade?
- Que idade? Isso é bobagem! Viva o hoje!

E a conversa continuou por apenas mais um chopp. A saideira. Cada um seguiu um rumo diferente. As palavras fizeram eco nos dois. O amigo ficou de pensar melhor. E ele chegou em casa e foi direto fazer as malas.

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