Eles haviam reatado havia pouco mais de duas semanas. Ela
estava diferente. Mais irritada que o normal. Menos carinhosa que o normal. Ele
não queria briga e achou melhor deixar o tempo correr. Naquele dia, ele tinha chegado
de São Paulo e depois de muitos beijos, carinhos e abraços ela voltou a fechar
o tempo e ele não resistiu.
- O que está havendo?
Ela ensaiou não falar nada. Respondeu fugindo da pergunta. Ele
pressionou um pouco mais. Ela acabou dizendo que estava tensa: sua menstruação
estava atrasada e era isso o que estava tirando seu bom humor. Ele ouviu e
perguntou:
- Você acha que pode estar grávida?
E ela então contou uma longa história. Sim, ela achava que
podia estar grávida e aquilo era uma questão complicada. Há algum tempo atrás
ela havia engravidado do namorado de dois ou três anos e ele disse que não
encararia a um filho com ela. Ela optou pelo aborto e vivia arrependida da
escolha. O atraso na menstruação ganhava por isso uma dimensão imensa, uma
agonia intensa e afetava tudo em sua vida.
Ele ouviu sem fazer juízo de valor. Disse no final que ele
pensava diferente e que se ela estivesse mesmo grávida isso seria para ele
motivo da maior alegria do mundo. Disse que ser pai do filho dela não poderia
ser mais maravilhoso. Falou sobre sua filha amada, seu nascimento e como era
bom ser pai. Disse o quanto sua filha era importante para que ele fosse quem
ele é. Falou que mesmo que o momento parecesse errado, uma gravidez tinha o
poder de transformar tudo. E continuou falando o quanto era desejado aquele
filho, o quanto seria importante para os dois.
E ela apenas chorava.
Ele a consolava e dizia que seria bom se ela fizesse um
teste. Ela disse que faria na semana seguinte. E o fim de semana seguiu seu
rumo. Ele, sem querer fazer grandes planos. Ela, estranha e fechada. Ele teria
que voltar para São Paulo no domingo. Ela ficou de procurar um médico e disse
que lhe daria notícias.
Quando ele manobrou o carro e tomou o rumo da estrada ela
despencou em um choro convulsivo. Não se perdoava por ter mentido daquela
maneira para ele, mas não tinha opção. No mês em que estiveram separados, antes
da volta recente, ela havia conhecido outro homem. Vaidosa e sedutora deixou-se
levar pelos elogios. O que começou como uma brincadeira acabou na cama dela e
juntos tiveram uma noite de sexo, ainda que sem amor. Não foi muito além aquela
aventura. Sua grande questão era não saber de quem seria o filho que esperava.
No fundo ela sabia que estava grávida, mas não sabia o que
fazer sobre isso. As opções eram todas absurdas. Dizer que esperava um filho
dele sem saber se era mesmo dele, arriscar ter um filho para descobrir depois
quem era o pai de verdade. Ao mesmo tempo havia também a dor de saber que ela
não teria outra chance. Ou ia em frente com a gravidez e arriscava ou desistia
de todos os seus sonhos de ser mãe para não por em risco o grande amor.
Ele nem desconfiava e não ficou feliz com o telefonema dela
dizendo que a menstruação havia descido. Ela era a mulher da sua vida. Um filho
com ela era a certeza de que estariam juntos para sempre, de uma forma ou de
outra. Ele lamentou por telefone ela fez de conta que também lamentava e
desligaram.
Uma amiga buzinava na porta da sua casa e ela já saiu
pronta, com bolsa e tudo, rumo à clínica conhecida do mesmo médico que já havia
tirado uma vida, morta, de dentro dela. Não trocaram nenhuma palavra. Seguiu
rumo ao destino que escolheu como se estivesse sozinha. O procedimento foi
rápido. Não houve dor nem mal estar. Pelo menos físicos.
A mesma amiga a levou de volta para casa. Preparou-lhe uma
sopa. Colocou-a na cama e recomendou calma e descanso antes de partir. Não houve
nem calma nem descanso. Apenas choro e tristeza. Naquela noite ela não atendeu
os telefonemas dele. Naquela noite ela não ligou a televisão. Lembrou-se dos
sonhos, da criança imaginada, dos nomes que já havia escolhido, dos momentos
que havia imaginado e chorou as lágrimas que havia guardado para chorar a
felicidade de ser mãe.
Dormiu exausta de tanto chorar na mesma hora em que o sol
começava a surgir na sua janela. Não sem antes prometer a si mesma que jamais
contaria o que tinha feito a ele.
... ... ...
Acordou diferente em todos os dias que se seguiram àquele
dia. Não era mais a mesma menina de antes. Havia pago um preço alto demais.
Ele veio novamente naquele final de semana, mas ela estava
diferente. Ele não adivinhou. Ela brigava por qualquer motivo. Ele só queria
estar ali. Ela só queria sumir. As brigas recomeçaram sem que ele entendesse os
motivos. Ela se ressentia de tudo, estava sensível. Surgiram cobranças e mais
cobranças. Qualquer desatenção era imediatamente convertida em mágoa.
Ele resolveu alegrá-la. Comprou ingressos para o show de seu
cantor preferido e a levou tentando lhe fazer sorrir todo o tempo. Ele a amou
mais do que amou qualquer mulher, mas ela não parecia perceber. No meio do show
ela cismou que ele estava olhando para outra mulher. Reclamou. Ele resolveu
sair de perto e fumar um cigarro. Quando o show acabou, houve uma cena dela
dizendo que iria embora sozinha. Depois, atendeu os apelos dele e entraram
juntos no carro onde a briga recomeçou. Ele não queria mais brigar. Ela berrava
alto. Ele não se conteve e berrou também. Ela perdeu a razão e disse coisas que
nunca deviam ser ditas a ninguém. Ele calou, profundamente magoado. Ela percebeu
o que havia feito e em um gesto contínuo bateu na trava do cinto de segurança e
abriu a porta do carro que seguia a mais de 100 km/h decidida a pular. Ele a
puxou. Ela mordeu sua mão com toda a força enquanto ele encostava o carro.
Eles viveram juntos o pior momento de suas vidas.
Depois, choro, conversas, pedidos de perdão, arrependimentos
e tudo o mais que pudesse ser dito, pedido, implorado. Os dois continuaram
juntos por mais um tempo. Pouco tempo, suficiente apenas para que a frustração
dela fosse ganhando espaço necessário para tornar a relação impossível. Ela não
podia confessar e nem ele, tão pouco, adivinhar.
E ele nunca se conformou com o fim do grande amor. Nem nunca
soube da grande mentira de amor.
Amor de quem?? Só se for dele por ela porque a recíproca não era verdadeira...
ResponderExcluirUma pessoa que se deixa seduzir por vaidade, se entrega a outra só por prazer e não tem a coragem de encarar os fatos, não ama.
Nesse enredo tem um pouco de tudo: paixão, tesão, encantamento, mágoa, frustração, mas nada de amor. Porque o amor revela, o amor constroi, o amor compreende, o amor perdoa, o amor liberta, o amor traz felicidade. E o que essa moça levava dentro dela era um sentimento egoísta demais. Não era amor. Nem antes, nem durante, nem depois.
É um comentário tão forte quanto o post... para refletir... obrigado! bj
ExcluirQue dor imensa...
ResponderExcluirA história tem mais mentiras que verdades... de qualquer jeito a dor agora é do papel... bjs
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