A vida lhe propôs vários desafios. Tudo junto, ao mesmo tempo,
agora!
O Equilíbrio
Nada podia
acontecer enquanto ela não alcançasse seu próprio equilíbrio. Um desafio e
tanto. A vida havia lhe maltratado, como faz com todo mundo em algum momento e
ela lutou com todas as suas forças pra superar todas as dores, uma de cada
vez. Tornou-se uma sobrevivente. Teve que manter, ao mesmo tempo, todos os pratos girando no ar, sem deixar nenhum cair. Não foi fácil. Ainda não era.
Acordar de manhã pensando no dia cheio que vinha pela frente
nunca deixa muito tempo para acordar como ela gosta. Espreguiçar-se, ficar mole
na cama sentindo o dia nascer, pensar em tudo o que sente, dar bom dia – ainda que
só em pensamento – pra quem lhe é importante. Tudo isso tinha que esperar novos
dias. Tempos novos.
Desde que sua vida tomou o rumo que tomou as coisas ganharam
outra velocidade. Acordar era sinal de compromisso. Estava sempre atrasada. Não tinha
tempo para nada.
O insuportável barulho do despertador era um sinal para
que, automaticamente, ela se levantasse, fosse até o quarto da filha avisar que
já estava na hora e seguisse rumo a cozinha para fazer um café e misturar um
leite com chocolate para a filha. Voltava com o leite para constatar
que a filha ainda dormia. Nova chamada, desta vez com o copo na mão que era
entregue com os conselhos de mãe – cuidado, não derrube, acorda filhota. O café de cafeteira revelava sua preguiça. Caneca cheia. No quarto a
televisão precisava ser ligada para lhe fazer companhia. Levantou filhota? Banho.
Tô quase pronta e você? Roupa. Filha, anda, olha a hora. Vamos!
Depois, carro até o colégio e de volta para casa. Tenho que descongelar o
frango. Deixar os recados de sempre para a empregada. Pensar nas reuniões do
dia. Lembrar de trocar a lâmpada. Pagar o lavador do carro. Sair correndo. Chegar
no escritório. Ligar o computador. Pagar as contas Ouvir a lenga-lenga dos
funcionários Telefonar. Atender telefonemas. Verificar o estoque. Falar com os
fornecedores. Aceitar o convite de um almoço. Recusar o de um jantar. Tomar fôlego.
Tomar café. Tomar água. Tomar uma atitude... era isso o que ela se dizia o
tempo todo: - Preciso tomar uma atitude.
Nessa hora vinham os sonhos que ela não teve durante a
noite. Morar em Nova York. Representar artistas brasileiros. Conhecer as
galerias. Respirar cultura. Andar pelas ruas, fascinada com a cidade que pulsa.
Não ter hora pra nada. Sorrir de tudo, todo o tempo.
E a realidade voltava sempre em forma de uma pergunta
desnecessária ou do toque de um telefone. E a vida a levava sem que disso ela
tirasse nenhum proveito.
O dia acabava com ela cansada. Exausta. Hora do sofá, para
onde ela ia de camiseta e calcinha e com o cabelo despenteado. Era como a hora do recreio
que embalaria seu fim de dia, diminuindo a velocidade das demandas. Buscava recarregar
sua bateria de forças para começar tudo de novo no dia seguinte. Não tinha
disposição para pensar em como mudar, mas sabia que precisava tomar uma
atitude.
- A vida tá escondendo de mim os meus melhores anos, meus
melhores momentos, o melhor de mim. Era o que pensava enquanto deixava o
cansaço se transformar em sono...
As Dúvidas
A semana corre. Os dias se repetem. Nem os sábados escapam.
Surgem os convites para os programas mais diversos. Um amigo
fala de uma degustação de vinhos. Uma amiga avisa que as “meninas” vão se
encontrar no sábado. O namorado não sabe se vai ou não viajar. A filha pede pra
que ela leve e busque numa social na Barra. O pai pergunta se ela esqueceu que
tem pai. E ela pensa que precisa comprar lâmpadas e dar um jeito na torneira
que não para de pingar há mais de um mês.
Ela se promete sair, ver gente, conhecer pessoas. Ficar em
casa é bom para descansar durante a semana, mas ela sabe que precisa ver a vida
para se sentir viva. Aceita os convites que parecem mais divertidos e os que
ela pode ir a pé ou de scooter. Acredita que andar a pé lhe mostra a vida ao vivo. Pessoas
que passam apressadas, rostos intrigados, casais abraçados, crianças
teimosas e desobedientes, velhos que caminham sorrindo... Tudo preenche a
vida dela de outras perspectivas e a convence de que ela pode ser o que
quiser, basta escolher.
Mas não existem escolhas sem renúncias – ela mesmo postou
isso no seu mural do Facebook.
- Preciso parar de fumar.
E acende um cigarro quando para e senta-se para tomar um chopp,
sozinha, longe dos convites e perto da vida que acontece bem a sua frente.
Tanta gente que passa e o mesmo sentimento de solidão. Olha para tudo e para
todos, mas não repara em nada nem ninguém. Na sua cabeça passam cenas de um passado que
a trouxe até aqui. Das escolhas que não fez. Das alegrias dos outros que a
fizeram sorrir e acreditar que essas alegrias também eram dela. Era hora de
mudanças. Ela sabia.
- Preciso de um cigarro.
E paga a conta e volta passa a passo a caminhar pelas ruas
do Leblon. Espera o sinal abrir. Pensa em atravessar com ele fechado. Desiste. Escolhe encontrar as meninas, toma seu rumo em passos rápidos. A
filha liga. Ela não havia esquecido a festa. Não, ela não podia usar aquele
vestido. Desliga e ri. A filha preenche todos seus vazios. Emprestaria
o vestido na segunda ligação.
No caminho, uma esquina do Leblon se mostra mágica. De um
lado vários baldes repletos de flores. Flores do campo, lírios, palmas,
gérberas e rosas. Pensa em comprar as flores do campo e logo se lembra que não
estava indo para casa. Do outro lado um rapaz toca lindamente seu violino
enchendo a rua de cores e sons. A música toma conta do caos e tira até mesmo um sorriso do
guarda sisudo que apenas assiste a cena. Mas o que mais a
surpreende é um realejo parado em frente a uma banca de jornal. A manivela faz a
caixa de música repetir a mesma melodia dos seus tempos de infância e enche seu
peito de saudades de quem ela já foi. Na gaiola aberta o louro impaciente
espera pelo próximo cliente, pela gaveta da sorte aberta, pela recompensa de
puxar um papel e depois selar o canto obedecendo seu dono.
- Moço, tire a sorte para mim!
- Quem tira a sorte não sou eu é o louro. Vamos louro, tire
a sorte para a moça. Escolha uma sorte bem bonita... vamos louro...
E o papel fica dobrado na mão dela enquanto ela paga e
agradece. Dentro, descobre caminhando e lendo, ao invés de uma frase feita, uma citação de Anais Nin:
“Não
vemos as coisas como elas são. Vemos como nós somos.”
- Preciso parar de fumar.
E acende o cigarro e segue até outro bar do Leblon onde as
meninas vão repetir as histórias de sempre. Onde ela vai repetir a caipirinha
de sempre. Onde o dia vai passar, como sempre, até que ela escolha mudar.
- Preciso de um cigarro.
essa mulher e doida!
ResponderExcluirKKKKKK... é nada...no máximo uma incompetente como eu!
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