quarta-feira, 20 de junho de 2012

Boa Praça

(com carinho para Socorro Machado)

Um dia o poeta estava acordando e tomando a primeira das três canecas de café que o mantém vivo pelo resto do dia. Era cedo. O sol ainda não havia se exibido por completo e o poeta já se pôs a pensar entre um e outro gole.

Seu primeiro impulso foi o mesmo de todos os dias. Conferiu que estava vivo e agradeceu aos céus por mais um dia. Todas as manhãs ele faz o mesmo, pensa em como é bom ter mais um dia para viver e promete a si mesmo que vai aproveitar aquele dia como se fosse o último, para em seguida fazer os planos para descobrir como esse dia comum pode se transformar em um dia especial. Nem sempre é fácil, mas com o tempo fica bem mais tranquilo perceber que são as pequenas, e não as grandes, coisas que fazem a diferença entre um dia normal e um dia especial.

Logo depois, o poeta pensou com carinho na sua melhor amiga. O poeta tem a sorte de ter  uma amiga especial de verdade. Seus generosos sorrisos e sua alegria transbordante nem de perto mostram o tanto que existe dentro dela. Desde o próprio nome até qualquer uma de suas atitudes mais simples mostram que ela está sempre pronta a socorrer seus amigos.

E foi assim que o poeta lembrou-se de uma história que ele leu em algum lugar ou que ficou guardada na sua memória de poeta. Dizia assim...

Duas crianças brincavam em uma praça. Naquele tempo as praças tinham um cheiro especial que só quem brincou nelas é capaz de lembrar. A euforia de estarem lá era imensa e a pressa de aproveitar todos os brinquedos antes que alguém lhes dissesse que o tempo havia acabado era ainda maior.

Subiram logo no trepa-trepa para se mostrarem capazes de conquistar o topo para que pudessem ver a praça do alto. Era como um ritual para tomar posse do lugar que lhes pertencia por direito infantil. A praça é das crianças e do cume de um trepa-trepa isso é bem mais evidente. É de lá que elas percebem o movimento dos adultos indiferentes à tanta diversão e tantos sorrisos. Mas nem por isso a diversão acaba ou os sorrisos cessam. É de lá que eles descobrem que os dias são mais especiais do que parecem a primeira vista.

- Vamos para a gangorra?
- Vamos!!! O último a chegar é mulher do padre!

E descem correndo com uma habilidade de equilibristas de circo e correm mais ainda pelas areias com cheiro de infância até o próximo brinquedo.

Na gangorra o sobe e desce democrático faz de ambos cúmplices. Quando um sobe o outro desce, quando um desce o outro sobe. Um equilíbrio perfeito que só é possível nas gangorras da infância. Em um momento ele segura a gangorra embaixo fazendo com que sua amiga fique "presa" no alto e ambos riem alto. Ela não se entristece nem sente-se presa. Muito pelo contrário, vibra com a sensação de estar no topo do mundo e ele diz a ela que se depender dele ela sempre vai estar no alto. E a cumplicidade aumenta e a gangorra volta a mover-se para o alto e para baixo.

- Tem dois balanços livres. Vamos para lá?
- Vamos!!!!

E, com cuidado, ele a ajuda descer sem se machucar e a pressa anterior dá lugar a uma atenção necessária entre amigos. Quando em segurança, os dois correm de mãos dadas, como só as crianças correm, até os balanços que escolhem pela cor. Ele no azul, ela no vermelho.

Eu consigo ir mais alto do que você, ele avisa. Então em ensina, ela pede. E ele, que estava pronto para uma disputa, dispensa a vontade de competir pela necessidade de compartilhar seu conhecimento. E, com paciência, mostra que as pernas dão o impulso e que o tempo de jogá-las para frente e para trás é o que faz o impulso ainda maior e o balanço subir ainda mais. Ela aprende feliz e os dois aproveitam cada momento no balanço.

- Gosto quando ele está bem alto, diz ela.
- Eu também, mas se ele não descer, nunca subirá!

E os dois retomam um silêncio de palavras entre gargalhadas infantis. Ela pensa: ele tem razão. Se não descer, não sobe. Ele pensa: ela tem razão. O alto é melhor.

Um novo cheiro toma conta da cena e se mistura com o delicioso cheiro de praça fazendo com que os dois tenham a mesma ideia no mesmo momento.

- Pipoca!!!!!!!

Compram juntos um saco grande de pipoca salgada e dividem com pressa, como se toda a pipoca do mundo estivesse naquele saco.

- O pai de uma amiga diz que você só conhece as pessoas quando divide e come junto um saco de sal.
- Será que ele está falando de pipoca???
- Não sei. Mas pra mim faz sentido.

E sorriem pensando na expressão marcada do saco de sal, seguros de que se conhecem e de que passarão toda a vida se conhecendo ainda mais e melhor.

- Crianças! Tá na hora de ir embora!
- Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh - respondem os dois ao mesmo tempo enquanto olham os brinquedos e se despedem da praça com a certeza de que sempre voltarão.



2 comentários:

  1. Edu, você sabe o quanto sou resistente ao nome "INCOMPETENTES EMOCIONAIS". A sua linda homenagem à nossa amizade me fez entrar no blog pela primeira vez. E me deu vontade de chorar. Um nó grosso na garganta me molhou os olhos de ternura e orgulho desse amor fraterno. Adoro você! Quero ser essa pessoa tão grande e acolhedora que você consegue ver. Um beijo imenso!
    Socorro Machado

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  2. Sei da sua resistência sim, mas continuo convicto de que somos todos incompetentes emocionais...risos.

    Fico feliz que você tenha gostado minha amiga querida. Você é tudo isso e muito mais!

    bjs imensos

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