sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Poeta



- Pai, eu queria um livro diferente. Uma história, um livro de poesias... o que tem de bom na sua biblioteca?

E meu pai ria e dizia que eu devia subir nas estantes e procurar aquele que me chamasse mais a atenção. Eram milhares de livros que ele devorava com sua capacidade irritante de ler pelo menos um livro por dia desde que começou a ler. Eu não conseguia fazer frente mas me esforçava. A imensa estante parecia encolher todos os dias, porque sempre havia mais e mais títulos a serem colocados por lá e ele ia substituindo uns pelos outros em função dos que mais gostava. Os outros, levava para o escritório, emprestava, sei lá...

No meio de tantos livros encontrei um com o sugestivo nome de "Uma Alma Livre". Desci da estante com ele na mão e fui folheá-lo em uma poltrona. Era a biografia de um poeta que viveu no final do século XIX, início do século XX. Seu nome: Martins Fontes. E aquele livro roubado aos 14 anos de idade mudou minha vida para sempre.

O autor da biografia, Jacob Penteado, era um fã incondicional do trabalho e da personalidade do poeta e com seu discurso envolvente e histórias bem escritas foi me fazendo tão fã quanto ele. Fontes era santista, como meu pai, nascido em uma casa de gente inteligente e muito politizada e ele ainda cedo cunhou o lema de vida que o acompanhou para sempre: Como é bom ser bom.

Entre as histórias fantásticas da vida desse homem, existem alguma que me fascinam. A primeira é sobre o dia em que ele, caminhando pelas alamedas de Santos, encontrou uma linda macieira cheia de frutos no jardim de desconhecidos. Emocionou-se e sem pensar duas vezes ajoelhou frente a macieira e de costas para o movimento da rua e começou a criar e declamar versos de amor àquela árvore, rubra por natureza. Da janela da casa a mulher do novo embaixador americano, dona da casa, espantou-se e perguntou a uma das criadas quem era aquele homem. A criada riu e contou que tratava-se de um médico muito querido e respeitado na cidade e que ele era dado a esses rompantes que já não espantavam mais os moradores locais.

A embaixatriz resolver então entrar na brincadeira. Vestiu-se com a maior dignidade e foi ter com o Dr. Martins Fontes em seu consultório. Após a recepção de praxe a americana começou seu discurso: - Dr.  Fontes vim tomar satisfações. Hoje pela manhã observei da minha janela que o senhor fez a corte para minha doce macieira, que tenho como filha e logo depois o senhor partiu sem dar-lhe qualquer esperança e deixando seu pobre coração em pedaços. Exijo que o senhor repare o mal cometido.

Fontes, sem perder a pose e o eixo, respondeu: - A senhora está coberta de razões. Agi como um cafajeste e a única coisa digna a fazer é mesmo reparar o erro. Caso-me com ela!

E os dois riram e combinaram uma grande recepção no jardim daquela casa onde foi celebrado o casamento de Martins Fontes e a macieira entre inúmeros drinks e comidas, todos feitos de maçã.

Como não me apaixonar por um homem assim?

Outra história maravilhosa é a que conta que ele estava com um amigo no consultório quando seu telefone tocou e ele levantou-se já vestindo o paletó e convocando o amigo para saírem com urgência. Na rua alcançaram um táxi e Fontes ordenou que ele fosse até o primeiro armazém de secos e molhados onde comprou um imenso saco de amendoins que fez caber no porta-malas. O amigo atordoado, nada entendia. Mas as surpresas de Fontes eram sempre tão inesperadas que ele sequer se preocupou em perguntar.

Na sequência, Fontes comandou o motorista a tocar voando para o porto. Chegando lá, desembarcou e foi sentar-se no porta-malas, abrindo o saco de amendoins e pedindo para que o motorista seguisse lentamente pela orla e principais ruas e avenidas da cidade. Da traseira do táxi, Martins Fontes jogava amendoins no chão e era seguido por três elefantes que desembarcavam com o circo que acabara de chegar a Santos, levando-os a uma parada única pela cidade que ele tanto amava.

Meus olhos de menino devoram aquele livro com paixão. Cada nova página mostrava um mundo de novas possibilidades que a vida não me havia mostrado ainda. As poesias citadas no livro eram lindas e Fontes tinha tudo o que se espera de um poeta, de um médico e de um louco. No final do livro, Jacob conta que ao lado da lápide do Poeta no cemitério de Santos há um balanço para dois e sobre seu túmulo a seguinte inscrição:

"Quando eu morrer,
Se algum amigo,
Minha memória honrar quiser,
Peço então que junto ao meu jazigo,
Beije uma boca de mulher."

Ao final do livro eu também me sentia um poeta e depois dele dediquei horas, dias, semanas, meses e anos a escrever poemas e à busca de um amor intenso como a vida do Poeta. Muito tempo depois depois criei um personagem que usei muitas e muitas vezes em crônicas da vida cotidiana e dei a ele o nome de Poeta, não por mim, mas pela grandeza da vida de Martins Fontes.

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