terça-feira, 5 de junho de 2012

Mesa de Bar

Meu pai nunca foi de beber. Uma vodkinha aqui, um bom vinho ali, um drink esquisito acolá e olhe lá. Nunca vi meu pai de fogo e acho que ele morreu sem tomar um merecido porre. Ao menos é essa a imagem que ele me passou a vida inteira. Já minha querida mãe é boa de bar, sempre foi. Sempre gostou das companhias da noite e acho que foi isso o que a transformou na pessoa incrível que ela é.

Muito novo, lembro dela querendo retomar os estudos e cursar uma faculdade. Foi o que fez e ainda menino lembro-me de ir assistir aulas de Relações Públicas na Faculdade Hélio Alonso, em parte razão de ter me tornado publicitário. Depois, minha mãe foi trabalhar em uma grande agência de publicidade chamada Norton que ficava na Rua Dezenove de Fevereiro, bem perto do meu colégio. Algumas vezes eu saía do colégio em busca de uma carona para casa, onde ela continuava almoçando para ficar perto dos filhos.

Um dia ela me contou uma história que eu adoro. É que o diretor geral da agência, uma pessoa deliciosa, depois de uns cinco anos de convívio com ela confessou: - Querida, você entrou aqui como uma lady, ninguém tinha nem coragem de falar um palavrãozinho perto de você, e hoje, que maravilha, posso te contar que seu apelido por aqui é Lady Boquinha de Latrina! e ela ria....e eu também. Vale ressaltar que nunca conheci uma mulher tão elegante como minha mãe. E também nunca conheci alguém tão apta e disposta a se adaptar a qualquer ambiente. Mamãe também nunca ficou de porre, ficava, como ela diz, de "pilequinho" que é bem mais chique.

Em compensação, eu não demorei a descobrir minha intimidade com uma mesa de bar. Os primeiros foram o Charlie´s Beach e o Lagoa Charlie's. Lugares incríveis onde se tomava um drink maluco chamado Acapulco: uma mistureba servida dentro de um abacaxi que nos enchia de alegria e coragem para falar inspiradas bobagens entre os amigos queridos de então. Depois migrei para o Mistura Fina de Ipanema onde gente nova e velha se misturava em harmonia e com muito prazer. Por fim, cheguei ao meu bar preferido de todos os tempos (meus tempos, é claro) o Real Astória, ahhhh que saudades.

O RA, como nós chamávamos o point escolhido, era o lugar de encontrar o Rio de Janeiro inteiro depois dos shows, peças, festas e eventos de qualquer espécie. Era chegar no Real Astória e encontrar logo uns dez, doze ou quinze amigos espalhados em mesas variadas na varanda e sempre atendidos pelos mesmos queridos garçons. Aprendi cedo com meus pais a arte de tratar bem e respeitar garçons, porteiros, telefonistas e secretárias. Aprendi também a reclamar com veemência quando as coisas não iam bem. Até hoje um amigo, que não entende como eu posso reclamar tanto e ser tão bem atendido, me diz: - Confessa, você é presidente do sindicato dos garçons! Não há outra explicação. E eu me divirto.

No Real Astória sentei em mesas muito divertidas e muito loucas, em uma foi com toda a Legião Urbana, em outra vi da varanda o Cazuza chutar garrafas de cima de mesas, noutro dia assisti a Monique Evans atirar na rua as roupas do Léo Jaime (eram vizinhos do RA) e teve a noite em que vi o Celso Blues Boy fugir de uma briga que ele mesmo arrumou dizendo para os amigos baterem no lugar dele porque ele tinha um show no dia seguinte. Era uma festa e tinha alguma coisa acontecendo todos os dias.

Mas minha alminha de poeta me levava direto aos guardanapos e às canetas roubadas dos garçons amigos. Neles, confessei amores que não passaram de uma noite e outros que duraram meses ou mesmo anos. Lembro-me de uma noite em que o Real Astória estava muito cheio e encontrei amigos queridos em uma mesa de canto. Depois de conversar um pouco, notei uma menina na mesa que parecia saída dos meus melhores sonhos e pulei por sobre a pequena mureta que nos separava e lá fiquei até conquistar sua atenção e seus beijos. Ela morava na Vila da Penha e seu primeiro presente para mim foi uma piada. Era o livro "Longe é um lugar que não existe". Ri muito.

Houve vezes em que escrevi em incontáveis guardanapos no ápice da inspiração e houve momentos em que os distribuí aos amigos com todo o carinho do mundo. Ainda outro dia, uma amiga querida me confessou: - Ainda guardo todas as poesias que você me escreveu. E eu me emocionei por ter meus sentimentos guardados com tamanho carinho e deferência.

Lembranças gostosas de um tempo bom e que só confessei aqui por que sentei-me numa mesa de bar com meu computador e wi-fi. Os tempos podem ser modernos, mas uma mesa de bar é sempre uma mesa de bar.


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