segunda-feira, 25 de junho de 2012

Você vai para o Rio?

Eu estava na sala de embarque da ponte aérea, em São Paulo, com o rosto enfiado dentro de um jornal e mal percebia o movimento do salão. Pra variar não tinha nenhuma novidade que valesse a pena ler, mas mesmo assim eu tinha que ajudar o tempo a passar de alguma forma.

De repente sinto que alguém senta-se ao meu lado. Não acusei o golpe. Fiquei como estava. Não olhei para o lado e não fiquei curioso pra saber quem invadia a minha tranquilidade. Até que uma voz de mulher me pergunta: - Você vai para o Rio? Por uma fração de segundo pensei que ia ter que aguentar uma chata me fazendo perguntas nada inteligentes como aquela. Afinal, dentro da sala de embarque da ponte aérea, pra onde mais eu poderia estar indo. Respirei fundo, fechei o jornal e educadamente tomei o fôlego necessário para responder enquanto virava o rosto para olhar nos olhos da minha mais nova companheira de viagem. Já tinha escolhido as palavras e já me preparava para soltar uma a uma numa sequência capaz de organizar o óbvio da melhor forma possível. Mas a medida que eu virava a cabeça ia percebendo que a mulher do meu lado não era apenas "uma mulher" e sim uma das mais bonitas que eu já vi de perto na vida. As palavras forma subindo uma nas outras bem perto da minha boca porque todas elas queriam ver a moça ao mesmo tempo e eu gaguejei.

- Vo..o...o...o...u. Foi o que consegui dizer de mais inteligente.
- Posso viajar do seu lado. É que eu tenho medo de avião.

Calma garoto. Muita calma nessa hora. Você quer, você pode, você consegue. Era o que passava pela minha cabeça enquanto eu buscava conter meu surto de encantamento e proibia as palavras de saírem trocadas ou antes da hora. Me concentrei em ficar tranquilo e levar aquilo como se fosse a situação mais normal do mundo. Afinal, era só a mulher mais linda que existia me pedindo companhia para viajar, nada demais.

- Claro que pode. Viajo muito e desde pequeno. Vou adorar sua companhia. Esse jornal não fala a minha língua mesmo. Fechando e largando o jornal de lado enquanto ela esboçava um sorriso, e que sorriso.

Ela me disse se chamar Cristiana e eu me apresentei também. Perguntei o que ela fazia e ouvi o relato de uma atriz em busca de um papel. Ela já havia desfilado como modelo e feito algumas aparições sem destaque em peças e programas de TV. Nada que empolgasse muito. Mas nem por isso ela se mostrava desiludida ou cansada de tentar. Havia nela uma excitação pela busca do futuro. E isso era tão forte que me parecia motivada por algum anti-depressivo da moda.

O auto-falante anunciou que a Varig, em nome das companhias que compõem a ponte aérea, tinha o prazer de nos convidar a embarcar. O vôo estava vazio e seguimos pela pista até a escada que nos levaria ao Electra.

Aqui vale uma pausa para dizer que tudo isso aconteceu em uma época em que o Electra era soberano na estrada aérea que ligava o Rio e São Paulo. Neste tempo só não era permitido fumar na pista por onde se caminhava até chegar na moderna escada de alumínio que dava acesso a aeronave. O Electra era lindo e, no fundo havia uma espécie de sala que os habitués frequentavam e onde se tomava um whisky honesto e fumava-se desbragadamente. Era delicioso. Mas naquela viagem optei por sentar nas poltronas ao lado da moça linda.

Engatamos uma conversa na outra e depois em mais uma e numa terceira. Foi tão rápido que não percebemos o tempo passar, literalmente voando.

- Senhoras e senhores, dentro de instantes estaremos aterrissando no Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro. Queiram, por gentileza, colocar sua poltrona na posição vertical, atar os cintos e não fumar. Verifiquem o travamento da mesinha a sua frente e permaneçam sentados até o completo estacionamento da aeronave.

Era noite e a pista iluminada do Santos Dumont acendia todos os meus sentimentos. Olhei para a janela desviando meu olhar daquela linda mulher pela primeira vez desde que a vi e pensei: - Como posso estar apaixonado em menos de uma hora? Isso é um novo recorde. Enquanto pensava nisso ela me dizia algo que não consegui ouvir direito. Pedi para que repetisse e ela me falou: - Posso segurar sua mão? Tenho medo da aterrissagem. Um momento sublime este em que nos tocamos pela primeira vez.

O pouso foi muito tranquilo, mas as mãos permaneceram entrelaçadas mesmo depois do completo estacionamento da aeronave e no meio da movimentação dos apressados passageiros, sempre afoitos para sair do avião. Um silêncio tomou conta da cena e os dois pareciam querer guardar na memória aquela sensação boa. Apenas quando o desembarque já estava acabando foi que eles se moveram e seguiram o fluxo em busca do imenso saguão do aeroporto e, depois, das malas - que eram colocadas uma a uma no mesmo salão.

O caminho de nós dois era o mesmo e o táxi também foi o mesmo. As mãos voltaram a se encontrar e o beijo fez parte daquele caminho pela cidade maravilhosa. Ela ficou em casa e eu segui com o coração batendo forte.

Quis a vida que nós não conseguíssemos nos encontrar mais do que uma ou duas vezes depois disso. Na primeira, ela estava deprimida e fui levar um livro emprestado. Bom, não era apenas um livro, era meu livro preferido: Uma Alma Livre, a história do poeta que eu tanto amava, tão cheio de vida, tão alegre que era capaz de transformar qualquer vida. Ela sumiu, o livro também. Meses depois ela estava nas telas com o maior sucesso da TV daquele tempo. A linda mulher se transformou em protagonista, foi morar um tempo no Pantanal e eu nunca mais soube nem dela nem do meu livro.

(Ganhei um novo exemplar, anos depois, graças ao meu pai incansável na busca em todos os sebos do Brasil até me provar que sempre é possível recuperar as coisas perdidas.)



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