terça-feira, 5 de junho de 2012

Sonhos do Poeta

Ele estava deitado na rede, olhando o mar que batia manso na praia quando uma menina correndo pelas areias desviou sua atenção. O poeta olhou para a criança que corria solta e feliz, sem compromisso e sem destino certo. Levava com ela uma pipa (papagaio, quadrado) e de vez em quando soltava o papel de seda no ar e puxava pela corda até que ele alcançasse uma certa altura, sem nunca parar de correr e sorrir.

O poeta pensou: - Esse é um momento que não sairá mais da cabeça dessa criança. É de momentos assim que o caráter é formado. Que bom que ela tem essa chance.

E recostou-se novamente na rede e caiu no sono, lembrando da criança e pensando nas coisas que o fizeram ser quem ele é hoje. Perdeu-se, com a brisa do mar soprando-lhe o rosto, em um sonho bom que seguiu assim.

Eram dois irmãos e um amigo em uma casa em Araruama, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. O irmão mais velho mostrava certa desenvoltura em cima de um cavalo pequeno e branco chamado Balacinha. O amigo mais novo escolhera o maior cavalo. Ele era também o mais hábil e com muito mais experiência que os demais na arte de montar e cavalgar pelas areias da lagoa. Ao irmão mais jovem sobrou um velho cavalo chamado Vovô. E juntos partiram para o passeio.

O menino rapidamente perdeu o irmão e o amigo de vista. Vovô tinha muito mais idade que os demais e não conseguia alcançar a mesma velocidade e não respondia aos apelos do menino. Resignado, ele optou por conversar com o cavalo. Seguiu com o passo lento e macio falando sobre as coisas que estavam acontecendo em sua vida. Por conta do nome, o menino contou que tinha os dois avôs e que eles eram muito diferentes. Um era um médico charmoso e inteligentíssimo e o outro era um bonachão feito de carinho e sempre pronto a ensinar o bom da vida. Em segredo contou também ao cavalo que ele já estava começando a se apaixonar pela menina mais linda do seu colégio. ela tinha tranças, brincava e pulava com uma graça imensa e o deixava com o coração aos pulos.

E aos poucos o menino fazia de Vovô seu confidente preferido. Se o cavalo não respondia nem dava opiniões, ele também não fazia críticas e a tudo ouvia em uma deliciosa cumplicidade.

Os outros meninos, vez por outra, passavam por ele com deboche. Falavam mal do seu cavalo, que a esta altura já era seu amigo e seu confidente, e zombavam impiedosamente como só as crianças sabem fazer. O menino irritou-se com aquilo tudo e voltou a conversar com o cavalo.

- Vovô, eu sei que você já está velho e não aguenta mais o passo forte e o trote ligeiro dos outros animais, mas não podemos deixar que eles falem assim com a gente. Você viu? Meu irmão chegou a lhe chamar de pangaré! Isso é inadmissível. Temos que reagir e eu tenho um plano. Quando eles voltarem vou propor uma corrida. Fique tranquilo que não vai ser longa. E nessa hora Vovô vou precisar que você dê o melhor de si. Vamos correr como nunca e chegar na frente deles, combinado?

Sem esperar resposta, o menino propôs o desafio e os outros dois riram alto. Todos se prepararam para o derby praiano e, juntos, contaram em uníssono: 3, 2, 1... vai!

Neste momento, o menino deve ter batido com o calcanhar em alguma parte mais sensível do velho companheiro que partiu em desabalada carreira, muito na frente da linda Balancinha e do outro cavalo que tinha ares de superior. O galope ganhou velocidade e o menino vibrava com a corrida, com o vento no rosto e com a maravilhosa sensação de ser dono do mundo. Chegou na frente de todos e puxou a rédea com vontade, para deixar claro ao amigo que ele não precisava mais se esforçar. Mas Vovô o surpreendeu novamente e tirou as patas da frente do chão num empinar lindo que não chegou a oferecer riscos ao menino mas que impressionou o irmão e o amigo que ainda estavam disputando o segundo lugar, agora com as bocas abertas de espanto.

No final o menino perguntou: - Quem é mesmo o pangaré? E riu e voltou ao passo lento para o final do passeio. De longe ouviu os outros dois discutindo para saber quem teria chegado em segundo, o que para ele nada importava.

E ao sono do poeta juntou-se o riso da memória seletiva da infância que ele guardou como um troféu.


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