Hoje foi um dia especial. Acordei cedo como sempre e acompanhei o nascer do sol, coisa que adoro desde sempre. Me lembro que no auge da minha "mocidade" eu saia do baixo Leblon direto para a praia do Leme que tem o nascer do sol mais bonito do Rio. Sempre que fazia isso ficava com meu coração renovado, saía de lá direto para a minha cama e acordava sorrindo num super bom humor. Nas noites em que conhecia alguém então, nem se fala. Minha primeira vontade era que a conversa fosse tão boa que durasse até as 5h da manhã, hora de sair correndo para o Leme sem que a moça entendesse o que estava acontecendo... o sol nascendo era mágico e marcava bons momentos de uma maneira muito especial.
Nos meus dias ruins eu me mandava para a Urca ou para a Floresta da Tijuca. Ia eu, uma fita K7 e meu maço de cigarro. Fosse na mureta da Urca olhando o mar e a cidade por aquele ângulo cheio de histórias pra contar ou em um mirante que já não existe mais na Floresta da Tijuca de onde se via o que a cidade tem de mais bonito, eu ficava horas pensando, lembrando, sorrindo, chorando e processando os meus sentimentos. Era para esses lugares que eu ia quando queria ficar sozinho e, principalmente, quando queria transformar um sentimento ruim em algo bom. O melhor é que sempre funcionava.
Alguns lugares marcam a vida da gente ou pelo menos uma época da vida. A praia do Felix em Ubatuba marcou uma boa parte da minha vida. Época em que eu tinha decidido me mudar para São Paulo, depois de tomar o que eu chamei de "meu tombo da humildade". Pra resumir, eu fui um daqueles profissionais de carreira meteórica. Aos vinte e um pra vinte e dois anos eu já era supervisor de uma multinacional, responsável por uma das maiores contas da agência. Mas eu não tava pronto e me tornei um "pain-in-the-ass" a ponto da agência não me aguentar mais e nem eu aguentar mais a agência...quanta pretensão. Só me dei conta quando saí da agência de que eu não passava de mais um "bostinha" desempregado no mundo e que por conta das minhas escolhas ia ter que recomeçar minha carreira. Escolhi fazer isso em São Paulo e funcionou, graças a Deus e ao aprendizado.
Meu tio havia alugado essa casa em Ubatuba e ela passou a ser nosso refúgio de fim de semana. Sempre que conseguíamos, juntávamos uma turma e partíamos para a praia. Lá vivenciamos nossas descobertas pessoais e profissionais. Compartilhávamos palavras, discussões, conversas, brigas, carinhos e tudo o que pudéssemos compartilhar entre primos e amigos que haviam prometido serem amigos para sempre. Bons tempos aqueles.
Depois, meu tio morreu e nunca mais ouvi falar sobre a praia do Felix até o dia em que vim para essa pousada em Ubatuba. A praia do Felix fica há menos de 20km antes de chegar aqui. Passei por ela na vinda e pensei: - Vou voltar lá. Mas não na busca de sentimentos e promessas que o tempo se encarregou de apagar. Foi para matar as saudades mesmo. O acesso agora tem uma guarita e o lugar é coalhado de placas dizendo que aquilo é uma área de preservação ambiental e que qualquer sujeira é passível de multa, etc, etc, etc...
Fiz um caminho que me pareceu fazer sentido e perguntei para um guardinha se ele sabia quem era meu tio, se ele saberia dizer onde era a casa e por aí vai. Ele não sabia de nada mas eu disse que ia parar ali mesmo e seguir pela praia pra dar uma olhada e ele me mostrou uma trilhazinha do lado de onde eu tinha parado.
Pausa: saí da pousada com as cinzas do meu pai na mesma sacola do outro post pensando que a praia do Felix seria um bom lugar para entregar seus restos mortais ao mar. Fim da pausa.
Lá fui eu e a sacola com a urna das cinzas do meu pai numa mão e a câmera pendurada no outro braço. Quando cheguei na praia não acreditei: eu saí exatamente do lado da casa! Sorri feliz em rever aquele lugar que acolheu tantos dos meus melhores sonhos e olhei para a praia em si. Não me lembrava que ela fosse tão bonita. Fiquei super alegre. Rapidamente percebi que eu não era o único a achar aquela praia incrível e percebi que a praia estava relativamente cheia de gente. Fiquei pensando sobre as cinzas e aquele povo todo e decidi caminhar um pouco para procurar um lugar menos povoado para jogá-las. Quando achei, resolvi primeiro dar um mergulho e depois tirar a urna da sacola e abrir o plástico que a envolvia. Pronto para cumprir o ritual que me propus, procurei o lugar por onde deveria abrir a urna e descobri que não havia. A urna é completamente lacrada sem nenhuma abertura possível a não ser que eu tivesse um martelo e um formão que, é claro, eu não tinha.
Por um segundo ainda pensei em levar a caixa até o ponto mais fundo que conseguisse ir e deixar a caixa afundar. Depois percebi que isso seria muito louco e que no máximo em dois dias a urna estaria na praia e haveria um mistério capaz de mobilizar essa cidade em que nada acontece. Decidi voltar com a caixa para o carro e esquecer a tarefa por hoje.
Fiz fotos da casa e da praia e voltei com a urna (que deve pesar uns quarenta quilos) pela mesma trilha, feliz da minha vida e ainda sem saber o que eu faço com a urna. De lá fui conhecer a praia da Fazenda, um lugar lindo. Lavei a alma.
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