terça-feira, 24 de julho de 2012

Nascimentos...


Primeiro Nascimento

Era uma noite fria em São Paulo. O inverno castigou naquele ano e todos viviam agasalhados pelas ruas. São Paulo fica mais cinza no inverno, mas as pessoas ficam mais bonitas. Era bom de ver o contraste da gente paulistana com os prédios de concreto armado.

Ela estava cansada. Os nove meses já haviam passado e a barriga tornara-se um fardo. Não um fardo ruim, mas um fardo de quem guarda dentro de si uma vida, de quem já não aguenta mais a curiosidade para ver o rosto, sentir o cheiro e ver a família completa.

Em casa, o menino de um ano um mês e cinco dias passara o dia mais calmo do que o normal. Naquela tarde a rotina dele mudaria para sempre, mas ele não sabia. A velha babá foi escalada para cuidar do pequeno primogênito. A bolsa rompera e a hora tinha finalmente chegado. Foi o tempo de avisar seus pais e seu marido que estava chegando do trabalho. Ele disse que estava tudo certo, só queria pegar um livro para lhe fazer companhia na maternidade e pronto. As malas também estavam prontas.

No caminho, rumo à maternidade São Paulo, entre uma contração e outra, eles comentaram: - Será menina? Será menino? E ele respondeu: - Acho que será uma menina: Renata! E ela duvidou: - Será um menino e terá o nome do meu padrinho; Eduardo! Ele achou melhor não teimar e continuou subindo as ruas de Cerqueira César rumo à Av. Paulista que precisava ser cruzada para chegar à Maternidade.

O médico já havia sido avisado e estavam todos prontos para os procedimentos necessários. As perguntas de praxe foram feitas. As roupas trocadas pelos (sempre ridículos) aventais de hospital e ela levada, de maca, para a sala de parto. Não sem antes perguntar ao marido: - Você não vai entrar? E ouvir o que já esperava ouvir: - Deus me livre. Você sabe que não aguentaria assistir. Um beijo carinhoso e ela foi, sozinha, enfrentar seu segundo parto.

Já era tarde, quando as contrações ganharam força e o médico avisou que não demoraria muito mais. Às duas da manhã daquele vinte e cinco de julho tudo ganhou mais força e o médico confirmou: - Agora vai! Já estou vendo a cabeça... vamos... força... respira... vai... força... descansa um pouco... acho que na próxima vai... vamos lá?... força.... isso.... tá nascendo...tá nascendo... pronto.... nasceu... você é mãe de mais um menino e ele é perfeito!

Mas ela só sossegou quando ouviu o choro. Logo, a criança foi avaliada, limpa e enrolada em um cobertor, para só então ser colocada no colo da mãe, ainda exausta. Ela apenas olhou e disse: - Seja bem-vindo meu filho. Seja bem-vindo Eduardo.

O pai foi avisado pela enfermeira que o seu segundo filho tinha nascido. Riu por dentro sabendo que o nome Renata, com muita sorte, talvez fosse dado a alguma neta no futuro e que ele seria na vida o pai de dois meninos.

Quase que ao mesmo tempo chegaram à recepção da maternidade o pai e a mãe dela. Ele os cumprimentou e foi logo dando a boa notícia: - Nasceu o Eduardo! Os avós queriam ver a filha e o neto. Naquele tempo ia cada um para um lado e a mãe ainda demoraria um pouco na sala de parto. Por isso seguiram até o berçário e chegaram a tempo de ver a enfermeira colocando as primeiras roupinhas no recém-nascido. A criança não parava quieta e o avô logo disse: - Ele não para, mexe em tudo...parece um bole-bole! E a avó respondeu: - Ele é lindo, um pequerrucho! E esses apelidos dos avós o acompanhariam por toda a vida.

Os pais dele também logo chegaram. Ela disse ao filho que tinha orgulho dele e agradeceu mais esse presente para a família. Ele disse ao filho que desejava sucesso, sorte e que o neto fosse um vencedor na vida.

.......

Segundo Nascimento

Foi numa noite em que ele não tinha sono. Leu algumas poesias em um livro roubado da estante do pai. Ouviu algumas músicas que transformavam versos em melodia. E resolveu pegar papel e caneta para tentar rabiscar seus primeiros versos.

Evocou a inspiração como quem pede que o Anjo da Guarda fique ao lado na hora de dormir. Começou inúmeras vezes. Fez de algumas frases soltas bolinhas de papel que atirou com perfeição no cesto de lixo. E seguiu tentando sem sucesso madrugada adentro.

Olhou pela janela o movimento da rua. Do outro lado havia uma boate famosa naqueles tempos e volta e meia ele via sair um casal rindo, uma moça triste, um rapaz bêbado, três pessoas excitadas e todo tipo de gente que fosse possível imaginar. Logo, ele se deixou levar pelo clima boêmio daquela janela. Começou a imaginar o tanto que ainda havia por vir. E nos tantos momentos como aquele em que ele seria visto por algum menino pendurado em alguma janela de alguma cidade. Imaginava e sorria.

E mesmo perdido na sua imaginação não deixou de perceber o momento em que um casal saiu apaixonado da boate. Eram muitos beijos, eram muitos abraços, era muito carinho. Logo ele se deu conta de que aqueles dois eram diferentes e dedicou atenção exclusiva ao que ele entendeu pela primeira vez como sendo uma bela cena de amor. Ele berrou: - Eu te amo! E ela berrou mais forte ainda: - Eu te amo! E ele desejou berrar e ouvir um berro como aquele pelo menos uma vez na sua vida.

Voltou para a escrivaninha de menino e recomeçou a escrever. Antes, porém, lembrou-se da Menina do Recreio por quem ele tinha o maior amor que poderia caber no coração de um menino tão novo. Pensou e se deixou levar pela deliciosa fantasia. Logo ele estava de olhos fechados berrando no recreio do colégio: - Eu te amo! E ouvindo dela um berro ainda mais alto: - Eu te amo!

E nessa hora seu coração encheu-se de uma maneira que ele não conhecia. Aquele amor deu-lhe um novo ritmo. O sorriso parecia eternizado no seu rosto e a mão buscou a caneta para descer em versos fáceis, de menino, rimas que se entrelaçavam e funcionavam como um fio terra para aquela energia mágica. E escreveu um, dois, três, incontáveis poemas de amor naquela noite que não teve fim.

Leu, pela manhã, as linhas mal traçadas e tornou a sorrir. Descobriu naquele momento que o Menino Poeta havia nascido.

...............

Terceiro Nascimento

Quem disse que ele conseguia dormir naquele 15 de abril. A cesariana estava marcada para a manhã seguinte e a cabeça dava voltas e mais voltas. Ela também não dormiu. De tempos em tempos um chamava o nome do outro baixinho só para saber se o outro tinha conseguido dormir, mas nenhum dos dois conseguiu.

Antes das cinco ele desistiu de ficar na cama e levantou-se para fazer e tomar um café forte e puro. A cabeça estava na ansiedade daquele dia. Ela não podia comer nem beber nada e ele tomou o café longe para não enchê-la de vontade. Quando voltou ao quarto, ela já estava saindo do banho. Ele entrou e tomou um banho diferente. Aproveitava a água caindo e rezava para que tudo corresse bem no parto. Naquele tempo ele soube que existia uma certa Nossa Senhora do Bom Parto e foi com ela que ele se agarrou. Estranho depois de repetir tantos anos o “agora e na hora de nossa morte” estar ali pedindo apenas pela hora do nascimento.

Depois do banho, a excitação era tão grande que ele não demorou a se vestir e logo os dois saíram de casa rumo a maternidade. Malas prontas, enxoval feito, lembranças compradas. Tudo certo, menos o fato de que estavam duas horas adiantados. Mas que diferença fazia? Nenhuma.

Na maternidade o momento da burocracia. Ele nunca havia visto tanto papel e tanta autorização. E, pior, ele tinha que assinar tudo sob o risco de suspenderem a cesariana. Com aquilo, ele assumia a responsabilidade de qualquer barbeiragem dos médicos ou do hospital. Mas isso também não fazia diferença. Ele sabia que nada daria errado.

Foram para uma sala de espera reservada aos futuros pais e mães. Lá, percebendo a angústia dela, ele começou a fazer suas palhaçadas. Roubava uma máscara cirúrgica daqui, uma luva dali e logo tinha um balão nas mãos ou estava brincando de bandido e mocinho mascarado. Ele ria do jeito infantil e ele disfarçava a sua própria angústia no esforço de acalmá-la.

Hora de trocarem de roupa e de esperar na antessala. Ela na maca que a levaria até o centro cirúrgico e ele, sempre ao lado, agradecendo a todo instante pelo momento que antecipava.

Ela entrou antes para receber a anestesia. Os médicos não o deixaram ver o tamanho da agulha e ele teve que esperar alguns infindáveis minutos.

Quando pode entrar. Preparou sua câmera e viu sua mulher de braços abertos, completamente dopada e uma equipe dizendo coisas que ele preferia não ouvir, do tipo: - E aí? Já deu? Ou – Abre um pouco mais pra passar melhor... enquanto isso ele fotografava qualquer coisa, tenso e cheio de esperanças. Ela não mostrava muitas reações. Até que chegou o momento mágico em que a médica puxou de dentro dela e pelas pernas aquela que seria a sua obra-prima.

Nascia naquele lindo dia dezesseis de abril sua filha mais que amada e renascia ele como o pai que se esforçaria todos os dias pra ser e para merecer ser pelo menos o melhor que conseguisse.



2 comentários:

  1. Lindo! O "terceiro nascimento" me levou à aflição e ao nascimento da Sofia ( é esse o nome dela, né?). Bjs

    ResponderExcluir