terça-feira, 31 de julho de 2012

Menina dos Sonhos


Um caso de polícia. Roubaram as minhas fantasias. Acordei de manhã e procurei em todos os lugares. Onde será que eu guardei? Foi o que pensei primeiro. Depois, lembrei-me que elas estavam ali ontem à noite. Conversei com elas antes de dormir. Disse-lhes que estava frio e que era importante que se cobrissem para não ficarem doentes. Beijei-lhes e dormi.

Hoje acordei cedo como sempre. Olhei para o lado e elas não estavam mais lá. Chamei-lhes pelo nome, mas não me atenderam. Levantei-me para fazer o café – sempre penso melhor depois do café. Andei pela casa e lá elas não estavam. Sentei-me na cama e me preocupei: por onde andaram minhas fantasias?

Será que se transformaram em gatos no meio da noite e, furtivamente, ganharam as ruas e as matas que cercam minha casa? Será que foram ver se a lua estava mesmo cheia e se ela formava os desenhos que gostavam de ver nas noites apaixonadas? Será que desistiram de viver como fantasias na minha vida de poeta? Talvez... Talvez elas tenham se transformado em realidade, pensei. Talvez sejam como lagartas que dormem em casulos e acordam de manhã ganhando asas e se transformando em borboletas. Olhei para cima, mas borboletas não havia ali.

Preocupado busquei o jornal. Quem sabe haveria uma notícia sobre elas. Não havia. Tomei a segunda caneca de café e fumei um cigarro para que tentasse ver na fumaça o vulto delas, mas não vi. Abri meu livro de cabeceira para ver se era lá que se escondiam, mas não era. Voltei a deitar. Precisa pensar no que seria de mim sem minhas fantasias. Meu poeta morreria de angústia e de tristeza. Logo ele, meu companheiro de tantos anos. Tomei mais um gole de café. Acendi outro cigarro. E chorei.

Minhas lágrimas caíram uma a uma pelo rosto do menino triste em que em transformara. Chorei de saudades das fantasias que tanta companhia me fizeram e que tantas histórias doces me contaram. Chorei a ausência física. Chorei o choro de uma criança magoada que dói de ver, que entristece até o mais duro dos corações. Chorei e dormi.

...   ...   ...

- Mas que demora! Por onde você andava? – foi a primeira coisa que ouvi.

Nem consegui responder ou mesmo entender quem me perguntava. Logo uma segunda voz me dizia: - Você está atrasadíssimo! E uma terceira completou: - Agora preste muita atenção em tudo, se não você não vai entender nada.

E eu que já não entendia nada mesmo reconheci naquelas vozes a minha própria voz e logo descobri que eram as minhas fantasias que estavam me dando aquela bronca. Calei-me e observei.

Na minha frente qual fosse mágica uma enorme tela de cinema se abriu. Dentro, campos verdes e floridos em um lindo dia de sol se mostravam exuberantes. Havia vozes ao fundo. Havia pássaros. E havia também um doce cheiro de jasmim espalhado no ar.

As vozes se aproximaram e pude me reconhecer. A meu lado uma menina linda andava insegura. A menina dos sonhos tinha medo, eu podia sentir. Não conseguia ver seu rosto, mas sentia seu calor e sua vida. Ela seguia quieta e amedrontada e eu apenas caminhava a seu lado, de sorriso aberto, puxando forte o ar tomado de jasmim e olhando cada uma e todas as flores do caminho.

Paramos no alto de um pequeno morro coberto e cercado de verde com pitadas de cores por todos os lados. Sentamos no chão com as pernas cruzadas, um de frente para o outro. Em silêncio. Ficamos assim por um tempo, mas não consegui me controlar e logo tomei suas mãos com as minhas e perguntei:

- Do que você tem medo?
- De sofrer. Tenho medo de sofrer de amor.
- Sofrer de amor? Isso não existe!
- Claro que existe. Tantas vezes eu achei que tinha encontrado meu amor verdadeiro e tantas vezes eu sofri por descobrir que estava errada.
- É como eu disse. Você não sofreu de amor. Sofreu por não ser amor.

E logo percebi que entraria em mais um jogo de palavras e de sedução que me levaria ao mesmo lugar em que já estive tantas vezes e calei. Ela me olhou e me pediu que explicasse. Disse que não. Eu não ficaria ali, no meio do meu sonho, explicando a ela o que ela já sabia. Disse-lhe que o momento era único e seria perdido se não o vivêssemos, mas que eu não poderia lhe impor isso. A escolha dela teria que ser só dela.

Seu rosto mudou. Suas feições ganharam, no meio do meu silêncio, outra vida. Eu podia ver que ela estava pensando. Podia entender que a transformação estava acontecendo. E só me restava torcer.

- Você sente o cheiro no ar?
- Jasmim, minha flor preferida!
- Você percebe o canto dos passarinhos?
- Sim. É como música.
- Você vê a beleza indecente das flores?
- Que de tão simples ofuscam qualquer outra. – completei.

E olhando um para o outro, vimos nossos sorrisos crescerem fortes. Nossas mãos já entrelaçadas faziam força para que nunca mais se separassem. Nossos corpos quentes se juntavam em movimentos sutis de quem quer apenas estar perto, sempre perto.

E, vendo tudo isso, torci por um beijo na imensa tela. Suspirei porque os suspiros enchem a alma de emoções e esperei pela cena final. De longe ouvi uma voz dizendo meu nome, repetindo meu nome, repetindo meu nome... e acordei, antes do beijo, para que eu pudesse continuar sempre sonhando e para não esquecer nunca mais onde moram minhas fantasias.

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