sexta-feira, 20 de julho de 2012

Um sábado que ainda não houve

Estou esperando a inspiração chegar, mas hoje nem sei se ela aparece. É que está muito frio em São Paulo. Minha inspiração gosta muito mais do calor e de sol do que desse frio de 11 graus. Frio assim só é bom na serra, de frente para uma lareira, tomando um vinho e, principalmente, do lado de quem você ama.

...

A cidade acordou mal humorada. As nuvens estavam à beira de um ataque de nervos. Qualquer provocação e elas teriam uma crise de choro capaz de inundar as ruas e avenidas em tempo recorde. Era bom não provocar.

Era um sábado (que ainda não houve) em que ele acordou, abriu as cortinas, olhou para o céu sentindo um frio paulistano e pensou, enquanto acendia seu primeiro cigarro: - Por que é que ela está tão longe? Esse não é um dia para ficar sozinho. E se deixou pensar nas coisas que faria se ela estivesse por perto.

A Menina de Longe causava nele todo tipo de sensações e sentimentos. Um dia antes ele havia pensado em desistir, ainda que por um curtíssimo espaço de tempo. E, como se ela tivesse percebido, no momento seguinte, ele recebeu uma mensagem de texto dizendo: “Quero viver com você um grande amor. Acho que já estou!” e ele suspirou ainda mais apaixonado do que no dia em que viu seu sorriso.

- Eu não vou ficar em casa. Já sei o que fazer!

Disse em voz alta para que ele mesmo ouvisse. Apagou o primeiro e entrou no banho acendendo o segundo cigarro. Sim, ele fuma embaixo do chuveiro e isso lhe dá um imenso prazer. Deixou a água quente amolecer e esquentar seu sangue. Escolheu um sabonete Phebo porque o cheiro lhe enchia de memórias boas. Usou o shampoo que alcançou primeiro e depois um creme rinse, como sempre pensando na real utilidade daquilo. Não importava, ele apenas queria se sentir limpo e cheiroso.

Saiu do banho enrolado numa toalha imensa. Olhou-se no espelho embaçado, limpou os óculos e penteou-se com a pressa de quem está atrasado. Vestiu uma roupa quente, escovou os dentes e fez o check-list de todos os dias antes de tomar o rumo da rua: chave de casa, ok; chave do carro, ok; luzes, ok; carteira, ok... e saiu com a certeza de que ainda estava esquecendo alguma coisa.

Entrou no carro e buscou o primeiro posto de gasolina para abastecer, verificar pneus, água e óleo. Tudo certo. Escolheu músicas que lhe faziam se sentir bem, amentou o som e acelerou sem pressa buscando o túnel, a linha vermelha e a saída para a serra de Petrópolis. Ele havia decidido fazer sozinho o que queria fazer com a Menina de Longe. Preferiu não convidar ninguém. Ele sabia que se fosse com mais alguém, uma amiga, uma ex-namorada, acabaria em um jogo de sedução que talvez até fosse bom para um sábado de chuva, mas que seria muito ruim para o domingo seguinte, chuvoso ou não, ensolarado ou não.

Lembrou-se de umas pousadas bacanas que ele havia visto em uma revista de turismo e tocou para lá. Encontrou a placa de uma delas perdida entre as inúmeras placas de pousadas que escondiam um poste do caminho. Entrou e descobriu que não teria muitos problemas para conseguir hospedagem. A moça da recepção só estranhou o fato de ele estar sozinho, mas já se acostumara a receber hóspedes esquisitos.

- Publicitário? Achei que o senhor fosse escritor. Normalmente são os escritores que se hospedam sozinhos por aqui.

Ele respondeu, fez graça e tomou o rumo do chalé que escolhera para passar o dia. Dentro, uma imensa banheira de hidromassagem lhe convidava ao relaxamento total mas ele preferiu deixar sua mochila e sair para umas compras básicas. Foi a uma delicatesen que ele conhecia nas redondezas e comprou as coisas que lhe dariam  prazer. Duas garrafas de um bom vinho, um patê conhecido, alguns pães e mais algumas bobagens que funcionariam como o farnel do seu passeio.

Com as compras feitas, saiu para ver a paisagem. Manteve o carro numa velocidade baixa, algo como 60 ou 70 quilômetros por hora e foi beirando as estradas. A cada vale, uma parada. A cada horizonte, outra parada. Ele se sentia vivo e imenso quando olhava o mundo daquele jeito. Falava, sozinho, as coisas que falaria para a menina de longe se ela estivesse perto. Comentava os lugares, dizia que aquela música combinava com aquela paisagem e seguia seu caminho fingindo que ela estava lá. Fez algumas fotos no caminho para lembrar-se de seu passeio e mesmo para mostrar para ela. Apesar de sozinho, ele sentia sua presença e seguia.

A tarde já começava a cair quando ele resolveu voltar para a pousada e aproveitar um pouco do presente que tinha dado para ele mesmo.

No chalé, tirou as compras da sacola, pegou o vinho em suas mãos e riu. Não era a primeira vez que ele comprava vinho e esquecia-se do abridor. Com o tempo ele havia aprendido algumas técnicas que a vontade de beber ensina e estava pronto para enfiar a rolha para dentro da garrafa quando percebeu que o quarto tinha um abridor sobre o frigobar.

Serviu uma taça e levou a garrafa para a beira da banheira que já enchia quente. Acendeu a lareira e ligou o som. Dessa vez ele escolheu uma música clássica que sua mãe adorava. E o Bolero de Ravel ia tomando conta do ambiente e crescendo devagar enquanto ele, deitado, tomava um ou outro gole de vinho pensando. Sua mãe lhe tinha dito que aquela música expressava uma relação sexual, por isso crescia daquela forma, por isso era dançada da forma que era. E, com isso em mente, ele se deixou levar pelos acordes melodiosos e repetitivos e se viu excitado com a força da música. Fechou os olhos para ver os olhos da menina de longe e suspirou imaginando-a a seu lado. E, de repente, sentiu a menina de longe sentar em seu colo nu e aconchegar-se. Abraçou-a com volúpia, beijou-lhe a nuca, confessou poesias no seu ouvido e a chamou de grande amor. Os movimentos cresceram, os carinhos cresceram e a musica cresceu junto até seu momento mais forte e mais intenso. Juntos consumiram-se no amor raro e juntos adormeceram...

...

Era um sábado (que ainda não houve) em que ele acordou, abriu as cortinas, olhou para o céu sentindo um frio paulistano e pensou, enquanto acendia seu primeiro cigarro: - Por que é que ela está tão longe?

2 comentários: