...
A cidade acordou mal humorada. As nuvens estavam à beira de
um ataque de nervos. Qualquer provocação e elas teriam uma crise de choro capaz
de inundar as ruas e avenidas em tempo recorde. Era bom não provocar.
Era um sábado (que ainda não houve) em que ele acordou,
abriu as cortinas, olhou para o céu sentindo um frio paulistano e pensou,
enquanto acendia seu primeiro cigarro: - Por que é que ela está tão longe? Esse
não é um dia para ficar sozinho. E se deixou pensar nas coisas
que faria se ela estivesse por perto.
A Menina de Longe causava nele todo tipo de sensações e
sentimentos. Um dia antes ele havia pensado em desistir, ainda que por um
curtíssimo espaço de tempo. E, como se ela tivesse percebido, no momento seguinte, ele
recebeu uma mensagem de texto dizendo: “Quero viver com você um grande amor.
Acho que já estou!” e ele suspirou ainda mais apaixonado do que no dia em que viu
seu sorriso.
- Eu não vou ficar em casa. Já sei o que fazer!
Disse em voz alta para que ele mesmo ouvisse. Apagou o primeiro e entrou no banho acendendo o segundo cigarro. Sim, ele fuma embaixo do
chuveiro e isso lhe dá um imenso prazer. Deixou a água quente amolecer e
esquentar seu sangue. Escolheu um sabonete Phebo porque o cheiro lhe enchia de
memórias boas. Usou o shampoo que alcançou primeiro e depois um creme rinse,
como sempre pensando na real utilidade daquilo. Não importava, ele apenas
queria se sentir limpo e cheiroso.
Saiu do banho enrolado numa toalha imensa. Olhou-se no
espelho embaçado, limpou os óculos e penteou-se com a pressa de quem está
atrasado. Vestiu uma roupa quente, escovou os dentes e fez o check-list de
todos os dias antes de tomar o rumo da rua: chave de casa, ok; chave do carro,
ok; luzes, ok; carteira, ok... e saiu com a certeza de que ainda estava
esquecendo alguma coisa.
Entrou no carro e buscou o primeiro posto de gasolina para
abastecer, verificar pneus, água e óleo. Tudo certo. Escolheu músicas que lhe
faziam se sentir bem, amentou o som e acelerou sem pressa buscando o túnel, a
linha vermelha e a saída para a serra de Petrópolis. Ele havia decidido fazer
sozinho o que queria fazer com a Menina de Longe. Preferiu não convidar
ninguém. Ele sabia que se fosse com mais alguém, uma amiga, uma ex-namorada,
acabaria em um jogo de sedução que talvez até fosse bom para um
sábado de chuva, mas que seria muito ruim para o domingo seguinte, chuvoso ou não, ensolarado
ou não.
Lembrou-se de umas pousadas bacanas que ele havia visto em
uma revista de turismo e tocou para lá. Encontrou a placa de uma delas perdida
entre as inúmeras placas de pousadas que escondiam um poste do caminho. Entrou
e descobriu que não teria muitos problemas para conseguir hospedagem. A moça da
recepção só estranhou o fato de ele estar sozinho, mas já se acostumara a
receber hóspedes esquisitos.
- Publicitário? Achei que o senhor fosse escritor.
Normalmente são os escritores que se hospedam sozinhos por aqui.
Ele respondeu, fez graça e tomou o rumo do chalé que
escolhera para passar o dia. Dentro, uma imensa banheira de hidromassagem lhe
convidava ao relaxamento total mas ele preferiu deixar sua mochila e sair para
umas compras básicas. Foi a uma delicatesen que ele conhecia nas redondezas e
comprou as coisas que lhe dariam prazer. Duas garrafas de um bom vinho, um patê conhecido, alguns pães e mais algumas bobagens que
funcionariam como o farnel do seu passeio.
Com as compras feitas, saiu para ver a paisagem. Manteve o
carro numa velocidade baixa, algo como 60 ou 70 quilômetros por hora e foi
beirando as estradas. A cada vale, uma parada. A cada horizonte, outra parada.
Ele se sentia vivo e imenso quando olhava o mundo daquele jeito. Falava,
sozinho, as coisas que falaria para a menina de longe se ela estivesse perto.
Comentava os lugares, dizia que aquela música combinava com aquela paisagem e
seguia seu caminho fingindo que ela estava lá. Fez algumas fotos no caminho
para lembrar-se de seu passeio e mesmo para mostrar para ela. Apesar de
sozinho, ele sentia sua presença e seguia.
A tarde já começava a cair quando ele resolveu voltar para a
pousada e aproveitar um pouco do presente que tinha dado para ele mesmo.
No chalé, tirou as compras da sacola, pegou o vinho em suas
mãos e riu. Não era a primeira vez que ele comprava vinho e esquecia-se do
abridor. Com o tempo ele havia aprendido algumas técnicas que a vontade de
beber ensina e estava pronto para enfiar a rolha para dentro da garrafa quando
percebeu que o quarto tinha um abridor sobre o frigobar.
Serviu uma taça e levou a garrafa para a beira da banheira
que já enchia quente. Acendeu a lareira e ligou o som. Dessa vez ele escolheu
uma música clássica que sua mãe adorava. E o Bolero de Ravel ia tomando conta
do ambiente e crescendo devagar enquanto ele, deitado, tomava um ou outro gole
de vinho pensando. Sua mãe lhe tinha dito que aquela música expressava uma
relação sexual, por isso crescia daquela forma, por isso era dançada da forma
que era. E, com isso em mente, ele se deixou levar pelos acordes melodiosos e
repetitivos e se viu excitado com a força da música. Fechou os olhos para ver
os olhos da menina de longe e suspirou imaginando-a a seu lado. E, de repente,
sentiu a menina de longe sentar em seu colo nu e aconchegar-se. Abraçou-a com
volúpia, beijou-lhe a nuca, confessou poesias no seu ouvido e a chamou de grande
amor. Os movimentos cresceram, os carinhos cresceram e a musica cresceu junto
até seu momento mais forte e mais intenso. Juntos consumiram-se no amor raro e
juntos adormeceram...
...
Era um sábado (que ainda não houve) em que ele acordou,
abriu as cortinas, olhou para o céu sentindo um frio paulistano e pensou,
enquanto acendia seu primeiro cigarro: - Por que é que ela está tão longe?
Ela nao esta longe....e so trocar o oculos.
ResponderExcluir:) to de lente! bj
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