Você conhece alguém que consiga definir o amor? Essa é das
tarefas mais difíceis que eu conheço. Porque o que eu entendo por amor não é o
que você entende por amor. As coisas que me fazem dizer que estou amando são
diferentes das que convencem você da mesma coisa.
Pra mim, amar implica em querer estar junto o tempo todo e
em querer dividir todos os momentos com a outra pessoa sem nenhuma mentira e
sem nenhum pudor. Quando isso acontece surge um dos mais importantes
ingredientes de uma relação de sucesso: a cumplicidade. A deliciosa sensação de
que basta um olhar e tudo o que precisava ser dito já foi entendido pela outra
pessoa.
O olhar. Ele é responsável por 99,99% das vezes em que eu me
apaixonei por alguém. Não é o meu olhar sobre outra pessoa é a troca. É no
momento em que os meus olhos encontram os olhos dela que eu consigo sentir
melhor. Fico com a sensação de que é possível entrar de fato dentro de outra
pessoa pela tal “janela da alma” (cafona isso, né?). Minha receita de amor
sempre começa com os olhos nos olhos. É como um gatilho. Um momento muito
rápido em que eu percebo que poderia amar aquela pessoa. Mas é assim mesmo que
funciona comigo.
Claro que já me apaixonei por pessoas que eu já tinha visto
antes, mas isso só pode ter acontecido se eu não tiver me permitido olhar
antes. Se não olhei, não me dei conta de que seria possível amá-la. E pode ter
sido por qualquer razão. Pode ser que eu estivesse apaixonado por outra pessoa
quando a conheci. Pode ser porque a relação era distante ou profissional e não
imaginei outra possibilidade, pode ser pelo que for. Mas uma vez que os olhos
se encontram e conversam entre si não há mais o que fazer. O amor invade.
Ontem mesmo estava cantarolando, sem amar: Quando a luz dos
olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar... Essa música me
acompanhou em quase todos os meus primeiros amores. Ouvia o disco gravado ao
vivo no Canecão, com Tom e Miucha cantando lindamente, e me deixava levar pelas
doces sensações que os acordes me provocavam. Bom demais os amores da
juventude, sem limites, sem razão, eternos e imensos. Bom demais.
Mas o olhar não basta. Ele é só o início, a chave que abre o
coração, mas não é tudo. Depois dele vem a troca. O olhar justifica o início de
uma boa conversa e isso também é fundamental para saber quais as chances de um
amor nascer dali. Quando o papo flui fácil o amor tem mais chances de sair do
mundo de Platão para o mundo real (ou nem tão real assim). Um pouco antes de
começar uma conversa dessas tento me colocar no lugar da outra pessoa. Já nos
primeiros olhares tento ver o que pode haver do lado de dentro dela e o que
pode realmente me encantar, me despertar, me modificar, justificar minha
entrega. O poetinha dizia que havia uma voz íntima lá dentro no poema “O Haver”
quando narra o tudo que resta de um momento de amor.
A troca estabelece os limites e as condições para que ali
nasça um grande amor. Não basta falar, berrar, gritar, dizer tudo aquilo que
você quer e pensa em dizer. Não adianta nada colocar para fora toda a excitação
de menino apaixonado se não houver troca. Cuidado. Se você falar sozinho, se optar
por confessar que está nascendo um amor dentro de você e que você não quer e
não vai controla-lo de forma alguma, possivelmente afastará a outra pessoa. Porque
as pessoas já sofreram antes de conhecer você, porque as pessoas tem medo e se
entregam ao medo com muito mais dedicação do que se entregarão a você. Não há
nenhuma possibilidade de criar um amor sozinho. Amor é feito aos pares, em
duplas, na soma de dois, sempre dois.
A troca é a soma de dois. É como a fé que não se explica,
mas se sente (ou não). Para amar, os dois precisam acreditar que é possível
amar. Os dois precisam mirar um ponto comum e lá devem depositar tudo o que
sentem um pelo outro. Assim nasce algo maior que os une. O amor é a soma dos
amores que não existem sozinhos, mas existem na forma de querer e de desejar
dentro de você. Sem troca não há amor. Sem soma não há amor.
Mas ele, sua santidade o amor, não é bolo que tenha receita
pronta ou que possa ser vendido nas prateleiras dos supermercados da vida. O
amor ganha vida própria e, como um filho, precisa ser nutrido todos os dias,
precisa de cuidados e precisa de muita atenção. Isso não pode ser difícil nem
doloroso. Isso passa pela entrega de ambos e por uma negociação sem fim que vai
determinar até onde você está disposto a seguir junto.
Se você mimar demais o amor sem nunca lhe dizer não, vai
acabar aturando uma criança chata e cheia de vontades. Não reclame: foi você
quem fez isso. Se você for um pai ou uma mãe muito rígido com o amor vai ver
que ele se afastará de você e buscará outro pai ou outra mãe mesmo que ele
resolva não deixar de existir. Não reclame: foi você quem fez isso. Se você
escolher dar ao outro o controle total da criação, ela vai se ressentir da sua
ausência e isso é para sempre. Não reclame.
Acho graça das pessoas que precisam definir o que é o amor. Que
estabelecem como verdade absoluta as impressões que possuem de tudo o que já
sentiram, viram e viveram. Não faltam definições, mas elas não servem de nada
porque o meu amor não tem nada a ver com o seu amor a menos que nós dois o tenhamos
criado juntos. O amor é indefinível porque são muitos.
É daí e da incompetência de perceber o que é comum e o que
não é que surgem as frustrações. Assim como um pai imagina um futuro para o
filho diferente do que a mãe imagina também assim também pode acontecer com o
amor. E por isso os olhares e as trocas são tão importantes. Casais que não se
olham não se amam. Casais sem troca não se sustentam.
E como qualquer pessoa o amor que nasce também cresce,
adolesce, amadurece e envelhece. Se ele vai passar por todas as fases com saúde?
Isso só depende de quem cuida dele.
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