No seu colégio havia um lugar especial. Uma casa na serra de Petrópolis para onde todas as turmas de todas as séries iam por um ou dois dias por ano. Uma casa especial
onde havia mágica no ar.
A cidade, ou distrito, era Correas, pertinho de Itaipava. O simples aviso
de que já havia uma data marcada para a viagem causava um imenso alvoroço em
sala. Meninos e meninas logo começavam a pensar nas inúmeras possibilidades que
a viagem podia oferecer. Talvez fosse a hora certa de conversar com aquela
menina que ele passou mais de três meses olhando de longe. Talvez fosse o
melhor momento para transformar uma amizade de colégio em uma amizade que
pudesse durar uma vida toda. Talvez fosse o tempo de meditar. Talvez fosse o
caso apenas de brincar e se divertir.
O menino poeta sonhava com Correas todos os anos. As suas
primeiras incursões marcaram sua vida para sempre. Logo na primeira viagem uma
descoberta. A de uma lanchonete que ele frequenta até hoje: a Casa do Alemão. Lá, ele
logo aprendeu que um croquete é muito mais do que um bolinho comprido que se
faz com os restos da carne assada do dia anterior. Lá, ele percebeu que um mil
folhas não precisa ter mil folhas para ser inesquecível. Aquela parada virou um
ponto de referência para sempre.
O passeio era feito no ônibus do colégio. O mais paciente
dos motoristas era escalado para levar a turma. Ele nem tentava pedir para que as crianças ficassem sentadas. Dirigia com tranquilidade e em silêncio. Até hoje o poeta acredita que
ele apenas rezava o tempo todo para que nada acontecesse. E quanto mais
perto chegavam da casa mais barulho fazíam. A última curva era para a
direita. A esquina da rua da casa, que ficava numa ladeira, tinha um poste que
dificultava bastante a manobra e os meninos e meninas em algazarra cantavam:
Motorista, motorista. Olha o poste. Olha o poste. Não é de
borracha. Se bater amassa. Din. Den. Don. Din. Den. Don.
Quando o portão da casa se abria todos se amontoavam nas janelas para ver se
estava tudo da mesma maneira que eles se lembravam. A primeira visão era o
bonde. Do lado do campo de futebol havia um bonde antigo. Lugar que meninos e meninas escolhiam para as conversas mais profundas. Era
para lá que os casais iam para conversar e quem sabe selar um namoro com um
beijo roubado. Na madeira dos bancos nomes e mais nomes eram talhados com
canivetes ou chaves. Declarações de amor eram sintetizadas em um coração com suas iniciais e ali dentro juravam o amor eterno.
Os amplos dormitórios possuíam baias separadas por uma
divisória que não passava da altura do peito deles. Cada um corria para
escolher sua cama e logo buscavam o melhor amigo para dividir com eles o mesmo
espaço. Um pequeno armário era o bastante para que as roupas, casacos, toalhas e
outros objetos fossem guardados de qualquer maneira, sem a usual supervisão
materna. Cumprida esta etapa, todos saiam em direção ao campo de futebol ou
para a quadra de basquete ou para a piscina. O importante era estar em grupo,
respirar aquele ar de serra e curtir a delícia de serem tão jovens.
Das primeiras idas do menino poeta a melhor lembrança era a
de Diana. Não, não era um dos seus primeiros amores. Diana era o nome de um
Pastor Alemão que tomava conta da casa e se oferecia em carinhos para todas as crianças
do colégio. Um poderia até ter medo de cachorro, mas era impossível ter medo da
Diana. O menino poeta sempre reservava um tempo para lhe fazer carinhos e para
brincar com aquele animal inesquecível. Era como se ele, e todos, tivessem nela
o seu primeiro animal de estimação. Todos eram os donos da Diana e todos
lamentam sua falta até hoje.
Um grupo de quarenta crianças seria praticamente incontrolável
se não fosse pelos dirigentes. Dirigentes eram os alunos mais velhos que,
graças a um bom relacionamento com os padres do colégio, eram escalados para
ajudar a organizar o passeio. Usualmente três ou quatro meninos e três ou
quatro meninas que rapidamente passavam a povoar o imaginário infantil. Afinal,
uma menina com dois anos a mais que qualquer um daqueles meninos de colégio, que
estavam justamente naquele momento descobrindo as possibilidades do amor, era
quase um sonho. E as dirigentes eram sempre lindas, mesmo que não fossem.
Em uma das viagens, o menino poeta foi o escolhido de duas
dirigentes. Ele se viu paparicado e seduzido pelas duas. Uma era mais atirada, de uma maneira que conseguia disfarçar melhor a sua essência. Falava tanta
bobagem e era tão divertida que ninguém conseguia perceber direito o que se
passava dentro dela. A outra era sedutora e distribuía generosas porções de
charme para o menino poeta que se encantava em ser o motivo das suas atenções e
com a possibilidade de conquistá-la. Foi uma das suas viagens
inesquecíveis pelo tanto que ele descobriu ser possível imaginar e sentir.
A noite era o momento mais esperado. Alguns dos meninos
arrumavam, no meio da tarde, uma desculpa qualquer para sair da casa. Diziam, por exemplo, que precisavam ir a farmácia e
ganhavam um salvo-conduto que os autorizava a ir até o bar mais próximo comprar
clandestinamente uma bebida qualquer. O ideal era uma garrafa de rum, que
misturado com a Coca-Cola disponível na própria casa não era percebida por
ninguém e podia ser consumida livremente. Quantas cubas-libres não foram sorvidas
por aqueles pequenos pré-adolescentes? E quanta cumplicidade não nasceu daqueles
momentos de transgressão?
Havia um momento em que era dado o toque de recolher. Todos
tinham que ir para os dormitórios e se preparar para dormir. Uns de pijama,
outros de calções, outros de moletom. Cada um se arrumava do seu jeito e
encontrava a sua cama para deitar ou, pelo menos, para fingir que era o que
fariam. Assim que as luzes eram apagadas o mesmo ritual se repetia. Um sempre
repetia o bordão de um dos seriados da época: “Boa noite John Boy” e em coro o
resto da turma respondia: “Boa noite babaca” e todos caiam na gargalhada. Os mais
levados aproveitavam o sono dos mais cansados para espalhar pasta de dente nas
mãos dos colegas só para rir na manhã seguinte com o estrago da pasta endurecida espalhada pelos
rostos e cabelos. Era uma farra.
O café-da-manhã era servido no segundo andar da casa
principal. Lá havia sempre pães frescos, manteiga, café, leite, achocolatado e
frutas. Foi lá que o menino poeta aprendeu a delícia de um pão francês coberto
com manteiga e regado com Nescau. Ele nunca nem havia pensado nessa
possibilidade na mesa de café da sua casa, muito menos na frente do seu pai que
faria uma típica cara de nojo e diria que aquilo era coisa de gente da baixa Bessarábia.
Algumas atividades eram obrigatórias. Havia uma missa e
algumas dinâmicas de grupo com o propósito de aproximar as crianças e de
reforçar a educação católica do colégio jesuíta. Mas nada que estragasse o
clima festivo.
Em todas as viagens havia um churrasco. Todos ansiavam pelo
momento em que o sino que ficava na varanda da casa tocaria avisando que o
almoço estava pronto. Todos corriam para lavar as mãos e garantir um dos
primeiros lugares na fila que se formava rápida e longa. Mas ninguém começava a
comer antes que um coro de crianças entoasse em ritmo de rock:
Ao Senhor agradecemos. Aleluia. O alimento que teremos.
Aleluia.
A música de louvor e agradecimento se transformava em outro momento
especial. E todos cantavam alto, batendo palmas e dançando como se estivessem na
matiné de uma boate. Os alunos do colégio adoravam transformar as músicas sacras
em baladas.
O menino poeta aproveitou aquela casa como poucos. Fazia dela
seu lugar mais especial do mundo. Seu amor pelo lugar era tanto que, mesmo mais
velho. ele fez de tudo para ser escolhido como dirigente de turmas mais novas,
mas essa é outra história, outra viagem.
O menino poeta me fez chorar ao trazer lembranças esquecidas nos desejos de fazer parte de tudo aquilo, de uma menina solitária, que procurava, naquele paraíso, entender quem realmente era...
ResponderExcluirAngela querida, a menina solitária não estava, não está e não estará sozinha! Chora não...ou melhor só chore se for de felicidade! bjs
ResponderExcluirEduardo... que texto ! Sensacional ! Nunca havia entrado no se blog. Fiquei fã. Parabéns ! Bjs
ResponderExcluirObrigado querida! Palavras assim é o que me motivam a escrever! bjs
ExcluirMuito Bom, Edu. Seu texto, bem escrito e perspicaz, ajuda a entender a nossa própria experiência, que seguiu o mesmo bonde. Valeu!
ResponderExcluirValeu Marinho (até pq no colégio todo mundo era sobrenome...rs). Bom compartilhar as memórias que são de todos nós! abs
ExcluirEdu querido, amei ..... Agora vou vendar seus olhos ... me diz é essa (não), é essa (não) , é essa SIM SIM SIM.... Pera , uva, maçã ou salada mista?
ResponderExcluirKkkkkk adorei Stellinha! Bjs
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