O sino do bonde avisava as paradas que iam se sucedendo.
Alguns malabaristas urbanos subiam de um pulo no bonde andando, com movimentos que
lembravam o voo de um pássaro. E a viagem seguia rumo ao centro, mais
precisamente para a Rua Gonçalves Dias, onde celebrariam a amizade de todos os
dias.
Emilio de Menezes foi o primeiro a chegar e a tomar posse da
mesa habitual em que nenhum dos frequentadores ousaria sentar e de onde os
desavisados eram removidos com a explicação: - Senhores, essa é a mesa de
nossos poetas, permita-me acomodá-los em outro lugar.
Não tardou e Olavo chegava manso, pronto para mais uma
brincadeira com o velho amigo parnasiano. Pregava-lhe pequenas peças e Emilio
sempre caía e tomava um susto antes de começar a rir da ridícula brincadeira
entre meninos de idade quase avançada.
- Por onde anda nosso querido Doutor Fontes? Indagou Emilio.
- Não tarda meu caro, não tarda. Temos novidades para lhe
contar, mas prefiro esperar o santista ilustre para que contemos juntos.
- Ora, e então por que me atiça a curiosidade?
- Para ver-lhe ansioso querido amigo, apenas para isso.
E riram alto das troças que faziam entre si.
Mudaram de assunto e Emilio logo quis saber sobre a produção
de Bilac. O que haveria de novo, recém-saído daquela pena mágica – era o que o torturava. Novos
tempos. Nova poesia. Aquele homem tão simples, e sempre tão repleto de
surpresas sempre o surpreendia. Quanta habilidade – era o que pensava.
- Recita-me um soneto Olavo, quero ouvir seu coração.
- Com prazer meu caro. Meu coração anda a pulsar forte.
E recitava...
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o
senso!" E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!”
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.
Emilio não conseguia sequer reagir, levado pela voz firme, pausada e
definitiva de Olavo, ele entrara na Via Láctea pela porta dos sonhos e da
imaginação. Quietou-se, mudo, e nem ouviu quando Olavo lhe perguntou: - E então
velho parnasiano o que você achou?
- Olavo – respondeu, descendo do mundo dos sonhos – você é grande.
- Ora querido amigo, vindo de você isso é quase uma ofensa – disse rindo
ao amigo de porte avantajado e que pesava mais de cento e cinquenta quilos.
O jovem doutor chegou à Colombo entre as gargalhadas dos companheiros de
poesia e logo sorriu, dizendo: - Ora, pois bem, começaram a festa antes de mim.
Já não sentem minha falta! – Brincou, exagerado como sempre. E Emilio disse: -
Bem-vindo doutor dos exageros. Sem você a festa não estaria jamais completa. E
Bilac completou: - Não lhe censure o exagero, é parte fundamental da sua arte.
Um poeta sem exageros não é um poeta, é apenas um tolo. E levantou para
cumprimentar o amigo mais querido.
- Recitei um dos meus sonetinhos para Emílio e ele se deixou levar,
quase flutuou pela Colombo o que seria um enorme risco para o pobre Lebrão.
- Essa sua mania de diminutivos, Bilac, não sei não. Podem acabar
desvalorizando seu trabalho
- Ora Dr. Fontes, fique tranquilo. Haverá de chegar o dia nesta terra em
que os poetas só falarão em diminutivos. Ainda há de surgir um poetinha, hábil
com as palavrinhas e com os sentimentozinhos e o povo vai adorá-lo.
- Profecias, querido amigo?
- Apenas um sonho que tive com um tempo em que os poetas não precisarão
nem morrer de fome como eu, nem se prostituir como outros para exercer sua
arte.
- Deus lhe ouça, Deus lhe ouça.
Emilio interrompe os amigos, ansioso como sempre, e pede: - Contem-me
logo a novidade. Não me torturem mais.
- Estamos pensando em montar uma agência de publicidade.
- O que? Agência? Expliquem-me melhor.
- Vamos juntos montar uma agência para que possamos criar pequenos
versos que ajudem os comerciantes a divulgar seus estabelecimentos. Bastos
Tigre também está conosco.
- Ora, mas e o tal discurso contra a prostituição literária?
- É esse meu dilema – disse Bilac - Não suporto mais morrer de fome ter
que vender o almoço para comprar o jantar, mas acho que posso fazer a união da
publicidade com a arte, desde que conte com o apoio de amigos como você. Por isso
queria lhe contar e ouvir suas impressões.
- Acho perfeito, amigos queridos. Não suporto mais os maus-tratos que a
língua mãe vem sofrendo, sem falar nos trocadilhos infernais que sujam os
cartazes dos bondes com sandices. Acho que vocês, juntos, podem salvar o Brasil
da invasão dos imbecis. Avante!
Ergueram um brinde a Agência Americana, nome da agência que seria fundada
ainda naquele ano de 1911 e, revelaram em segredo com já possuíam o primeiro cliente
e já haviam criado o reclame para o Rhum Creosotado:
Veja, ilustre passageiro
Que belo tipo faceiro
Que o senhor tem ao seu lado.
E no entanto, acredite,
Quase morreu de bronquite.
Salvou-o o Rhum Creosotado.
Que o senhor tem ao seu lado.
E no entanto, acredite,
Quase morreu de bronquite.
Salvou-o o Rhum Creosotado.
Emilio ouviu e riu. Isso deve ser coisa do Tigre – exclamou. E os amigos
preferiram não contar de quem era a autoria e seguiram rindo, brincando e
esperando a companhia certa dos demais companheiros de poesia e de Colombo que
não tardariam.
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