segunda-feira, 2 de julho de 2012

Outros Tempos...

Era uma terça-feira comum. Subiram no bonde, cada um em um canto da cidade. Conferiram as horas nos relógios de bolso com uma mão, enquanto seguravam-se com a outra, trepados no estribo. Estavam na hora e não tinham pressa. Tornaram a guardar seus relógios e permaneceram no estribo mesmo havendo espaço suficiente para sentarem. O prazer do vento no rosto observando a cidade passando tão de perto não tinha preço.

O sino do bonde avisava as paradas que iam se sucedendo. Alguns malabaristas urbanos subiam de um pulo no bonde andando, com movimentos que lembravam o voo de um pássaro. E a viagem seguia rumo ao centro, mais precisamente para a Rua Gonçalves Dias, onde celebrariam a amizade de todos os dias.

Emilio de Menezes foi o primeiro a chegar e a tomar posse da mesa habitual em que nenhum dos frequentadores ousaria sentar e de onde os desavisados eram removidos com a explicação: - Senhores, essa é a mesa de nossos poetas, permita-me acomodá-los em outro lugar.

Não tardou e Olavo chegava manso, pronto para mais uma brincadeira com o velho amigo parnasiano. Pregava-lhe pequenas peças e Emilio sempre caía e tomava um susto antes de começar a rir da ridícula brincadeira entre meninos de idade quase avançada.

- Por onde anda nosso querido Doutor Fontes? Indagou Emilio.
- Não tarda meu caro, não tarda. Temos novidades para lhe contar, mas prefiro esperar o santista ilustre para que contemos juntos.
- Ora, e então por que me atiça a curiosidade?
- Para ver-lhe ansioso querido amigo, apenas para isso.

E riram alto das troças que faziam entre si.

Mudaram de assunto e Emilio logo quis saber sobre a produção de Bilac. O que haveria de novo, recém-saído daquela pena mágica – era o que o torturava. Novos tempos. Nova poesia. Aquele homem tão simples, e sempre tão repleto de surpresas sempre o surpreendia. Quanta habilidade – era o que pensava.

- Recita-me um soneto Olavo, quero ouvir seu coração.
- Com prazer meu caro. Meu coração anda a pulsar forte.

E recitava...

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto... 

E conversamos toda a noite, enquanto

A via láctea, como um pálio aberto, 
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, 
Inda as procuro pelo céu deserto. 

Direis agora: "Tresloucado amigo! 

Que conversas com elas? Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?" 


E eu vos direi: "Amai para entendê-las!” 
Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

Emilio não conseguia sequer reagir, levado pela voz firme, pausada e definitiva de Olavo, ele entrara na Via Láctea pela porta dos sonhos e da imaginação. Quietou-se, mudo, e nem ouviu quando Olavo lhe perguntou: - E então velho parnasiano o que você achou?

- Olavo – respondeu, descendo do mundo dos sonhos – você é grande.
- Ora querido amigo, vindo de você isso é quase uma ofensa – disse rindo ao amigo de porte avantajado e que pesava mais de cento e cinquenta quilos.

O jovem doutor chegou à Colombo entre as gargalhadas dos companheiros de poesia e logo sorriu, dizendo: - Ora, pois bem, começaram a festa antes de mim. Já não sentem minha falta! – Brincou, exagerado como sempre. E Emilio disse: - Bem-vindo doutor dos exageros. Sem você a festa não estaria jamais completa. E Bilac completou: - Não lhe censure o exagero, é parte fundamental da sua arte. Um poeta sem exageros não é um poeta, é apenas um tolo. E levantou para cumprimentar o amigo mais querido.

- Recitei um dos meus sonetinhos para Emílio e ele se deixou levar, quase flutuou pela Colombo o que seria um enorme risco para o pobre Lebrão.
- Essa sua mania de diminutivos, Bilac, não sei não. Podem acabar desvalorizando seu trabalho
- Ora Dr. Fontes, fique tranquilo. Haverá de chegar o dia nesta terra em que os poetas só falarão em diminutivos. Ainda há de surgir um poetinha, hábil com as palavrinhas e com os sentimentozinhos e o povo vai adorá-lo.
- Profecias, querido amigo?
- Apenas um sonho que tive com um tempo em que os poetas não precisarão nem morrer de fome como eu, nem se prostituir como outros para exercer sua arte.
- Deus lhe ouça, Deus lhe ouça.

Emilio interrompe os amigos, ansioso como sempre, e pede: - Contem-me logo a novidade. Não me torturem mais.

- Estamos pensando em montar uma agência de publicidade.
- O que? Agência? Expliquem-me melhor.
- Vamos juntos montar uma agência para que possamos criar pequenos versos que ajudem os comerciantes a divulgar seus estabelecimentos. Bastos Tigre também está conosco.
- Ora, mas e o tal discurso contra a prostituição literária?
- É esse meu dilema – disse Bilac - Não suporto mais morrer de fome ter que vender o almoço para comprar o jantar, mas acho que posso fazer a união da publicidade com a arte, desde que conte com o apoio de amigos como você. Por isso queria lhe contar e ouvir suas impressões.
- Acho perfeito, amigos queridos. Não suporto mais os maus-tratos que a língua mãe vem sofrendo, sem falar nos trocadilhos infernais que sujam os cartazes dos bondes com sandices. Acho que vocês, juntos, podem salvar o Brasil da invasão dos imbecis. Avante!

Ergueram um brinde a Agência Americana, nome da agência que seria fundada ainda naquele ano de 1911 e, revelaram em segredo com já possuíam o primeiro cliente e já haviam criado o reclame para o Rhum Creosotado:

Veja, ilustre passageiro 
Que belo tipo faceiro 
Que o senhor tem ao seu lado.
E no entanto, acredite,
Quase morreu de bronquite.
Salvou-o o Rhum Creosotado.

Emilio ouviu e riu. Isso deve ser coisa do Tigre – exclamou. E os amigos preferiram não contar de quem era a autoria e seguiram rindo, brincando e esperando a companhia certa dos demais companheiros de poesia e de Colombo que não tardariam.


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